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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2010 Sandra Myles

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Nicolo, o capitalista, n.º 28 - Avril 2014

Título original: Nicolo: The Powerful Sicilian

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

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Imagem de portada utilizada com a permissão Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5147-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

O casamento na pequena igreja de Manhattan e o copo-d’água na mansão dos Orsini tinham ocupado a maior parte de um dia muito longo. Nicolo tinha muita vontade de se ir embora. Além disso, uma mulher nua esperava-o na sua cama. Estava lá desde que deixara o tríplex que tinha em Central Park West às dez da manhã.

– A sério que tens de ir, Nicky? – tinha-lhe sussurrado ela, com um gesto nos lábios quase tão sensual como o corpo escultural que escondia sob o edredão de penas.

Nick verificara a gravata ao espelho, examinara o seu aspeto geral. Smoking feito à medida, camisa branca de seda... O seu aspeto era impecável. Então, dirigira-se para a cama, beijara-a ligeiramente no cabelo e respondera que sim, que efetivamente tinha de se ir embora. Não era todos os dias que um irmão seu se casava, mas, como é óbvio, não lhe disse isso.

Por muito que adorasse os seus irmãos, as suas irmãs, a sua mãe, as suas cunhadas e o seu sobrinho, aquele tipo de reuniões familiares era cansativo. Olhou através do pátio envidraçado para o jardim que havia na parte traseira da mansão Orsini. Os arbustos que a sua irmã Isabella tinha plantado há alguns anos estavam a florescer apesar da chegada do outono. Além dos arbustos, os muros de pedra erguiam-se o suficiente para isolar a casa das ruas onde Nick tinha passado a sua infância, ruas que estavam a mudar tão rapidamente que já mal as reconhecia. A zona de Little Italy, que fora o lar de gerações de imigrantes, estava a tornar-se parte de Greenwich Village, com as suas lojas da moda, restaurantes seletos, galerias de arte...

«Progresso», pensou Nick, enquanto bebia mais um pouco de champanhe. Não gostava. Tinha crescido naquelas ruas. Não obstante, as suas lembranças de infância não eram agradáveis. Quando o pai de um menino é o don de um poderoso grupo de criminosos, ele aprende muito cedo que a sua vida vai ser diferente. Quando Nick tinha nove ou dez anos, descobrira o que era Cesare Orsini e odiara-o por isso. Passara todo o dia a pensar nas lembranças da infância junto dos seus irmãos. Lutavam, chateavam-se uns aos outros sem piedade e também se defendiam dos rapazes que achavam que era divertido meter-se com os filhos de Cesare Orsini. Pouco depois de terminar a adolescência, os quatro tinham seguido caminhos separados, para se juntarem novamente anos depois. Nessa altura, o seu vínculo tornara-se mais forte do que nunca. Tinham fundado a empresa de investimentos que os tinha convertido em homens tão ricos e poderosos como o seu pai, mas sem a fealdade que rodeava a vida de Cesare. Eram muito unidos. Raffaele, Dante, Falco e ele. Nick acabou o champanhe e dirigiu-se para o bar que havia num lado do pátio. O empregado viu-o a aproximar-se, sorriu-lhe cortesmente e abriu outra garrafa de Dom Pérignon para lhe servir outro copo.

– Obrigado – disse Nick.

«Incrível...», pensou, enquanto observava como Rafe dançava com Chiara, a esposa. Os seus irmãos, casados. Ainda não conseguia habituar-se à ideia. Primeiro, Rafe, em seguida, Dante e por último, Falco. Todos os seus irmãos se tinham apaixonado. Era absolutamente incrível...

– Tu também te apaixonarás um dia – dissera-lhe Rafe na noite anterior, enquanto os quatro brindavam ao casamento iminente de Falco no The Bar, o bar em Soho, do qual eram donos.

– Eu não – respondera ele.

– Claro que sim, homem! – tinha-lhe assegurado Dante. – Tu também.

– Confia em mim – dissera Falco. – Quando menos o esperares, conhecerás a mulher certa e, sem que te dês conta, ela terá o teu pobre e patético coração na palma da sua mão.

Todos se tinham rido. Nick não quisera responder. Para quê dizer-lhes que já tinha passado por algo parecido e que não poderia voltar a fazê-lo? Franziu o sobrolho e virou-se novamente para o balcão. Deixou o copo intacto de champanhe sobre a superfície de mármore e disse:

– Uísque. Duplo.

– Lamento, senhor. Não tenho uísque.

Bourbon, então.

– Também não tenho bourbon.

– Está a brincar, não está?

– Não, senhor Orsini – respondeu o empregado, um rapaz de uns vinte e um ou vinte e dois anos, engolindo em seco. – Lamento imenso, senhor.

– Dizer que o lamenta não é...

Nick apertou os dentes. Para quê discutir com o rapaz? Não era culpa dele. Então, recordou que Falco tinha insistido em pagar o seu casamento, tal como Dante e Rafe. Os três tinham acedido a celebrar os casamentos em casa dos seus pais com essa condição. Isabella tinha-se ocupado das flores, Anna, da comida e do bar. Se quisesse culpar alguém, devia culpar a sua irmã.

– Peço desculpa – disse ao rapaz. – Estou farto de champanhe.

O empregado sorriu e encheu-lhe um copo.

– Não há problema, senhor Orsini. Eu estou farto de casamentos. Trabalhei num ontem à tarde, noutro à noite e agora estou aqui. Quando me casar, vou dizer à minha rapariga que dispensamos estas coisas.

Nick levantou o copo em jeito de brinde. No exterior, através do vidro vislumbrava-se o céu plúmbeo. Tinham dito que ia chover e parecia que, por uma vez, tinham razão. Nick abriu a porta e saiu para o jardim.

Quando estivesse preparado para escolher uma esposa, fá-lo-ia logicamente. Escolheria uma mulher que encaixasse perfeitamente na sua vida, que não exigisse mais além do básico, ou seja, que lhe proporcionasse uma vida cómoda e que o tratasse com respeito. E isso seria mesmo a única coisa que ele exigiria em troca: respeito.

A lógica era tudo, tanto para realizar um negócio como para planear um casamento. Ele jamais tomaria uma decisão baseada nos sentimentos ao comprar um banco ou ações. Porque iria fazê-lo ao escolher uma esposa? Fiar-se nos sentimentos era um erro. Nick só o fizera numa ocasião e jamais voltaria a fazê-lo.

Acontecera quatro anos antes. Conhecera uma mulher numa viagem de negócios a Seattle. A mulher em questão era inteligente, divertida e muito bonita. Provinha de uma família da classe alta. Ela tinha conseguido abrir caminho no mundo dos negócios por si mesma e era a diretora financeira de um pequeno banco privado que Nick tinha ido comprar a Seattle. Esse facto fora a chave de tudo. Ela estava na sua cama ao fim do primeiro dia, justamente onde ele teria querido que continuasse. Antes que se desse conta, tinham criado uma rotina. Ele ia a Seattle um fim de semana e ela ia a Nova Iorque no seguinte. Ela dizia que sentia muitas saudades dele quando não estavam juntos. Ele admitia que sentia o mesmo. Apaixonara-se e sabia-o.

Depois de um mês de relação, Nick decidira que ia falar-lhe do seu pai. Nunca fizera nada semelhante. No entanto, aquilo era diferente. Aquilo era... Nick tinha evitado até pensar na palavra no passado... Era uma relação. Portanto, uma noite, enquanto estava na cama dela, contara-lhe tudo.

– O meu pai é Cesare Orsini – dissera, explicando-lhe de seguida que Cesare era o chefe de uma importante famiglia da máfia. Que era um gângster.

– Oh... – ronronara ela. – Já sabia, Nicky – acrescentara, com um sorriso sensual. – Na realidade, é muito excitante.

Nick apertou os dentes. Aquela revelação deveria ter-lhe disparado os alarmes, mas a parte do corpo com que pensara não tinha o luxo de possuir nenhum tipo de alarme. Aproximava-se um fim de semana prolongado e Nick tinha-lhe pedido que o passasse com ele. Ela respondera que não podia porque a sua avó, que vivia no Oregon, estava doente. Anunciara que partiria no sábado de manhã para passar o fim de semana com ela. Prometera-lhe falar com a sua avó sobre o homem maravilhoso que conhecera. Nick acreditara. Então, na sexta-feira à noite, pensara que poderia acompanhá-la. Assim, poderia conhecer a avó e dizer-lhe como a sua neta era importante para ele. E decidira que seria uma surpresa. Fora no avião dos Orsini até Seattle, alugara um carro e dirigira-se para a casa da mulher que amava. Tirara do bolso a chave que lhe dera e entrara silenciosamente. O que acontecera de seguida doera-lhe tanto como um murro no estômago. Ela estava na cama com o seu chefe, o diretor-geral do banco, a rir-se enquanto lhe assegurava que Nicolo Orsini ia realizar uma oferta pelo banco que excedia em muito o seu valor.

– Um Orsini e tu, querida – respondera o homem. – Um clássico. A princesa e o rapaz dos estábulos...

O copo delicado de champanhe estilhaçou-se na mão de Nick.

– Bolas!

O champanhe escorreu pelo casaco do smoking. Uma gota avermelhada minúscula surgiu do pequeno corte que tinha na mão. Nick tirou um lenço branco imaculado do bolso e secou o smoking, limpou o dedo...

– Então, homem... – comentou uma voz masculina, com uma certa ironia. – O champanhe não é assim tão mau.

Era Rafe. Dirigia-se para ele com uma garrafa de cerveja em cada mão. Nick resmungou em agradecimento e pegou numa delas.

– Isto é um milagre – disse ele. – De onde saíram?

– Não faças perguntas e assim não te contarei mentiras – replicou Rafe, franzindo o sobrolho. – Estás bem? – acrescentou, assinalando a mão.

– Sim. Já deixou de sangrar.

– O que aconteceu?

– Não fui consciente da minha própria força – respondeu, com um sorriso. – Não há problema. Vou buscar alguma coisa para limpar isto.

– Confia em mim, Nick. Tenho a certeza de que um dos empregados do cateringue aparecerá antes que tu possas... – naquele momento, apareceu uma mulher com uma vassoura e uma pá nas mãos. – Vês? O que é que eu disse?

Nick assentiu e esperou que a mulher se fosse embora para falar. Então, tocou suavemente na garrafa do seu irmão com a sua.

– Aos pequenos milagres – disse, – como os irmãos que aparecem com garrafas de cerveja na altura certa.

– Imaginei que te ajudasse a livrar dessa cara.

– Eu? Que cara? Acho que estava... Estava a pensar naquele negócio da Suíça.

– Esquece os negócios – disse Dante, aparecendo em cena. Também tinha uma garrafa de cerveja na mão. – É uma festa, lembras-te? Gaby disse-me que uma das empregadas passou toda a tarde a olhar para ti.

– Pois... – replicou Nick, porque sabia que era o que se esperava.

Os seus irmãos puseram-se a rir. Estiveram a falar alguns minutos e, então, chegou a altura de se despedirem dos noivos. Por fim, poderia sair dali. Despediu-se da sua mãe e prometeu-lhe que iria jantar lá a casa assim que pudesse.

– Nicolo, já te vais embora, mio figlio? – perguntou Cesare, que usava um smoking Armani.

– Sim – respondeu Nick, com frieza.

– Que direto! – comentou Cesare, rindo-se. – Como eu.

– Eu não me pareço em nada contigo, pai.

– E és rápido. Também gosto disso.

– Tenho a certeza de que deveria sentir-me lisonjeado, mas espero que me perdoes se não for assim. Agora, se me desculpares...

– Esqueceste-te de que tinhas de te reunir comigo no dia do casamento de Dante?

Esquecer-se? Impossível! Cesare tinha-o encurralado a ele e a Falco. Nick estivera à espera enquanto Falco e o seu pai estavam encerrados no escritório. Depois de alguns minutos, perguntara-se o que estava a fazer ali, à espera como um criado obediente. Além disso, já sabia o que o seu pai queria dizer-lhes. A combinação do cofre. Localizações das caixas de segurança. Os nomes de advogados, contabilistas... Tudo o que Cesare pensava que os seus filhos tinham de saber caso ele morresse, quando a verdade era que nenhum deles tocaria em nada que pudesse pertencer à famiglia Orsini.

– Cinco minutos – replicou Nick, bruscamente. – Além disso, para que o saibas de antemão, pai, não me interessa nada, apesar do discurso que possas ter preparado.

Felipe, o lugar-tenente de Cesare, emergiu de entre as sombras enquanto pai e filho se aproximavam do escritório do don. Cesare fez com que o seu lugar-tenente se afastasse, seguiu Nick até ao interior do escritório e fechou a porta.

– Talvez possa fazer-te mudar de opinião, Nicolo...

Dez minutos mais tarde, Nick olhava fixamente para o seu pai.

– Deixa-me ver se entendi. Queres investir numas caves.

– Sim.

– Nas Caves Antoninni, de Florença, na Itália.

– Na Toscana, Nicolo. A Toscana é uma província. Florença é a capital.

– Não preciso de aulas de Geografia, está bem? Queres investir num vinhedo.

– Ainda não me comprometi a nada, mas, sim, espero investir nas caves do príncipe.

– Do príncipe – repetiu Nick com ironia. – Parece um filme mau. O príncipe e o mafioso, uma farsa em dois atos.

– Alegra-me ver que te diverte – disse Cesare, com frieza.

– E o que vais fazer tu? Realizar uma oferta que não possa recusar?

– Cuidado com a forma como me falas...

– Ou o quê? – perguntou Nick. Inclinou-se sobre a secretária e apoiou as mãos na superfície. – Não tenho medo de ti, pai. Não tenho medo há vinte anos, desde que descobri o que eras.

– Também não me mostraste o respeito que um filho deve ao seu pai.

– Eu não te devo nada. Se o que queres de mim é respeito...

– Estamos a perder tempo. O que quero de ti é assessoria profissional.

– O que significa isso?

– Significa que tenho de saber o verdadeiro valor daquele vinhedo antes de fazer uma oferta definitiva. Poderíamos chamar-lhe uma avaliação financeira.

– E?

– Estou a pedir-te que faças essa avaliação em meu nome.

– Eu avalio bancos, pai. Não vinhas.

– Tu avalias propriedades. É ao que te dedicas na empresa que tens com os teus irmãos, não é?

– Que bom! – exclamou Nick, com um sorriso cínico. – Refiro-me ao facto de te teres dado conta de que os teus filhos têm um negócio muito diferente do teu.

– Eu sou um homem de negócios, Nicolo – afirmou Cesare, semicerrando os olhos. – Sou um homem de negócios – repetiu. – E tu és perito em aquisições financeiras. O príncipe oferece-me dez por cento de lucro por cinco milhões de euros. Parece-te razoável? Deveria reportar-me mais dinheiro ou perderei tudo se a empresa tiver dificuldades? – acrescentou. Então, pegou num envelope. – Deu-me quantias e gráficos, mas como sei o que significam? Quero que me dês a tua opinião.

– Pergunta-o a um dos teus contabilistas – respondeu-lhe Nick, com um sorriso tenso. – A um dos paesanos que te cozinha os livros.

– A verdadeira questão – disse o seu pai, ignorando o comentário – é porque quer o meu dinheiro. Diz que é para se expandir, mas será verdade? Aquele vinhedo está há quinhentos anos na família. Agora, de repente, ele quer investidores do exterior. Necessito de respostas, Nicolo. Quem melhor para as obter em meu nome do que o meu filho?

– Boa tentativa, pai – replicou Nick com frieza, – mas é um pouco tarde para que me peças que faça alguma coisa por ti.

– Não é por mim – disse Cesare, levantando-se. – É pela tua mãe.

– Essa é boa! Fantástico! Pela minha mãe! Sim, claro. Como se a mamã quisesse investir num vinhedo italiano – acrescentou. De repente, a sua gargalhada cessou. – Não vai funcionar. Portanto, se já tiveres acabado...

– Há coisas que não sabes sobre a tua mãe, nem sobre mim, Nicolo.

– Tens razão. Para começar, não entendo o que a levou a casar-se contigo.

– Casou-se comigo pela mesma razão que eu me casei com ela – comentou Cesare com voz rouca. – Por amor.

– Sim, claro... Ela e tu...

– Fugimos. Sabias? Ela estava comprometida com o homem mais rico da nossa aldeia. Esse homem é o pai de Chiara, a esposa de Rafe.

– O pai de Chiara? A minha mãe estava comprometida com...?

– O teu irmão sabe-o. Guardou a informação, como deve ser. Sim. Sofia e eu fugimos – comentou Cesare, com uma expressão suave no rosto. – Fomos para a Toscana.

Nick ainda estava a tentar assimilar o facto de que a sua mãe fugira com o seu pai, mas conseguiu manter a compostura.

– Porquê? Se os dois são sicilianos...

– A Toscana é muito bonita. Não é dura como a Sicília, mas suave e dourada. Na Itália, há muitos que pensam que a Toscana é o coração da cultura do nosso povo, enquanto a Sicília e os sicilianos... – disse Cesare. Encolheu os ombros. – O que importa é que era o sonho da tua mãe.

– Então, porque emigraram para os Estados Unidos?

– Eu não tinha mais aptidões do que as que adquiri em criança – disse Cesare, – aptidões que tinham uma utilidade na Sicília. E também aqui, neste país. Eu sabia-o, tal como sabia que queria dar à tua mãe uma vida que não fosse de pobreza...

– Como te atreves a usar a minha mãe como desculpa para as coisas que fizeste?

– O que está feito, feito está – replicou Cesare. – As decisões foram minhas e não me desculpo por isso. No entanto, se pudesse dar isto a Sofia... – acrescentou, com voz suave. – Uma parte da Toscana, a única coisa que me pediu em toda a sua vida...

– Que bela história! – disse Nick, com frieza. – Tenho do admitir.

Seria verdade? O único modo do saber era perguntando à sua mãe... E ele não ia fazê-lo. Cesare poderia estar a usá-lo, mas e então? Aquele assunto não lhe levaria mais de alguns dias da sua vida.

Grazie mille

– Não me agradeças. Agradece à tua esposa por ter fugido com um homem indigno dela há quarenta anos.

Agarrou no envelope, deu meia volta e saiu rapidamente do escritório.

 

 

– Dois dias, Alessia – disse o príncipe Vittorio Antoninni. – Isso é a única coisa que te peço.

Alessia Antoninni manteve o olhar sobre as vinhas, que, iluminadas pela luz da lua, se estendiam até às suaves colinas da Toscana. Era outono e as vinhas, as quais já tinham despojado há muito tempo do seu fruto, pareciam mortas.

– Já te disse, papá. Tenho um trabalho em Roma.

– Trabalho... – replicou o príncipe. – É o que chamas a andar a servir famosos?

– Trabalho para uma empresa de relações públicas – disse ela. – Não sirvo ninguém. Lido com os clientes.

– O que significa que ocupares-te das relações públicas do teu próprio pai não deveria parecer-te esforço algum.

– Não é uma questão de esforço, mas de tempo. Não o tenho.

– Talvez o que não tenhas é o desejo de ser uma boa filha.

– Não deverias ter agendado a visita desse americano se sabias que não ias estar disponível.

– Quantas vezes tenho de to explicar? Surgiu uma coisa. Não posso estar aqui para a visita do signor Orsini e seria pouco cortês cancelá-la.

– O que queres dizer é que seria perigoso desiludir um gângster.

– Cesare Orsini é um homem de negócios. Porquê acreditar nas mentiras da imprensa sensacionalista?

– Tenho a certeza de que os teus empregados poderão ocupar-se de tudo. Os teus contabilistas, a tua secretária...

– E o jantar que organizei? – replicou o príncipe, arqueando um sobrolho. – Achas que seria adequado que a minha governanta fizesse de anfitriã?

– Há anos que não faço de tua anfitriã. A tua amante que se encarregue disso. Já o fez antes.

– O signor Orsini nasceu neste país.

– Nasceu na Sicília – disse Alessia, com todo o desdém de uma aristocrata da Toscana.

– Os sicilianos apegam-se muito aos costumes do passado. O facto de a minha amante fazer de anfitriã poderia ofendê-lo. Por acaso, esperavas que eu negasse que tenho uma amante? – acrescentou o príncipe, com frieza. – Já sabes o estado em que se encontra a tua mãe.

– A minha mãe está numa clínica!

– Sim. E muito cara – o tom de voz do seu pai sugeriu algo que provocou um calafrio pelas costas de Alessia.

– O que estás a insinuar?

– Sem uma injeção de capital, receio que tenha de tomar algumas decisões muito difíceis. Sobre a tua mãe e sobre a clínica.

– Não há decisão alguma – replicou Alessia. – É a clínica ou um hospital público.

– Efetivamente. É como tu disseste. Ou uma coisa... Ou a outra.

Alessia pôs-se a tremer. Sabia que o seu pai falava a sério. Era um homem sem coração.

– Vejo que não gostas do que te disse, minha filha, mas não vou perder o que faz parte da nossa família há quinhentos anos.

– Deverias ter pensado nisso antes de levar o vinhedo à beira da bancarrota.

– Vais fazer o que te pedi ou não?

– Dois dias – disse ela. – É a única coisa que posso dar-te.

Grazie, bella mia.

– Um chantagista não agradece à pessoa que chantageia, papá.

Enquanto entrava na casa e se dirigia para o que fora o seu quarto, decidiu que não fora a resposta que teria gostado de dar ao seu pai, mas não lhe tinha ocorrido nada melhor.