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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2013 Maisey Yates

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Herança obscura, n.º 1532 - Avril 2014

Título original: Heir to a Dark Inheritance

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5144-3

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Prólogo

 

Alik Vasin acabou de beber o copo de vodca e esperou pelo efeito. Nada. Naquela noite, ia precisar de muito álcool para se divertir, para sentir alguma coisa. Ou então, ia precisar de uma mulher. Abriu caminho por entre os corpos que se amontoavam na pista de dança. A música era ensurdecedora. Não poderia manter uma conversa, mas pouco importava porque não queria falar com ninguém. Não tardou em reparar numa mulher loira que também não estava à procura de conversa. Aproximou-se e ela sorriu. Encontrara a diversão daquela noite. Aproximou-se mais e ela estendeu a mão para lhe tocar no peito. Sentiu uma vibração no bolso, tocou-lhe e pegou no telemóvel. Sabia que as mulheres não gostavam de se sentir trocadas por uma chamada telefónica. Contudo, se isso a afugentasse, encontraria outra. Não queria ir para a cama sozinho naquela noite e não iria. Olhou para o telemóvel e viu um número desconhecido. Qualquer pessoa que conseguisse entrar em contacto com ele, de um número que não conhecia, só podia ser algo importante. Levantou um dedo para indicar à mulher que esperasse e saiu para uma rua ruidosa de Bruxelas.

– Vasin – replicou alguém, do outro lado da linha.

E então, o chão pareceu fugir-lhe de debaixo dos pés. Questionou-se se a vodca teria começado a fazer efeito e se aquele era o motivo pelo qual sentia uma pressão no peito. Se era por isso que estava a imaginar a mulher que falava. No entanto, era Alik Vasin e estivera naquela parte dos Estados Unidos há mais de um ano. Ficou imóvel e esperou que o chão recuperasse a firmeza. Tudo desmoronou e não conseguia lembrar-se por que motivo estava ali, numa rua escura de Bruxelas. Só restava a chamada e a descarga de adrenalina que procurara durante toda a noite. Não ficaria paralisado. Tinha de agir, como sempre. Desligou, pôs as mãos nos bolsos e caminhou apressadamente. Tinha de ir para o aeroporto. Tinha de ir a um laboratório, para confirmar tudo. Voltou a pegar no telemóvel e procurou o número de Sayid. O amigo saberia o que dizer, porque não estava confuso por causa da bebida. Era a verdade e sabia-o com toda a certeza. Era pai.

Capítulo 1

 

– Pensava que podia afastar-me da minha filha?

Jada deteve-se nos degraus do tribunal. Era a voz do seu pesadelo mais terrível, uma voz que só ouvira em sonhos. Mas soube que era ele, Alik Vasin, o homem que poderia arrancar-lhe o coração, se quisesse, o homem que poderia destroçar-lhe a vida, o pai da sua menina.

– Não sei de que está a falar – declarou, enquanto subia um degrau.

– Mudou a data.

– Tive de a mudar – defendeu-se, num tom desafiante, apesar de ser mentira.

Não achava errado, porque o fizera para proteger a filha. Durante toda a sua vida, respeitara as regras. Porém, aquela situação não tinha regras. Só tinha de manter Leena junto dela.

– E pensou que, como eu tinha de percorrer meio mundo com tão pouca antecedência, não chegaria a tempo. É uma pena, mas tenho um avião privado.

Não parecia ser um homem que tinha um avião privado, nem que se dispusesse a ir a uma audiência. Usava calças de ganga, um cinto muito largo, uma camisa amarrotada com as mangas arregaçadas e óculos de sol. Parecia uma estrela de rock ou algo parecido. Virou a mão para ajustar o relógio e mostrou a âncora tatuada que tinha no pulso. Ela interrogou-se se sentira dor ao tatuar. Era a encarnação do perigo e sentia calafrios só de olhar para ele. No entanto, a sua evidente falta de respeito pelas convenções fazia com que tivesse mais confiança nas possibilidades. Tivera a custódia de Leena durante um ano e aquele homem, o pai, só tinha os direitos genéticos. O sangue era muito importante, mas as fraldas sujas eram ainda mais e ela mudara muitas durante aquele ano.

– Penso que tenho tempo de sobra – declarou ele, olhando para o relógio. – Já volto.

– Não fuja – replicou ela.

Jada sentou-se numa das cadeiras que havia à porta do tribunal de família. Gostaria de ter Leena ao colo, mas a menina estava com a assistente social. Sentiu os braços vazios. Tirou o telemóvel da mala, para manter as mãos ocupadas e a cabeça distraída.

– Bom, não perdi nada.

Levantou a cabeça e praguejou. Ele usava agora um fato preto. Transmitia força e poder. Parecia um homem que conseguia o que queria só por estalar os dedos, um homem que derretia as mulheres só de olhar para elas. Em dez segundos, deixara de ser um viajante desalinhado para ser um James Bond.

– Vejo que decidiu vestir-se para a ocasião – comentou ela.

Ele tirou os óculos e pôde ver os olhos dele pela primeira vez. Eram num tom entre o azul e o cinzento, como o mar durante uma tempestade.

– Pareceu-me ser apropriado – declarou, esboçando um sorriso.

Parecia despreocupado, como se não se importasse com aquilo que iria acontecer. Para ela, era a única coisa que importava. Leena era a sua vida, a única coisa que lhe restava.

– É a minha filha – continuou ele. – Isso significa que tenho de reclamar as minhas responsabilidades.

– Responsabilidades? É isso que pensa que é?

– É sangue do meu sangue – afirmou, num tom gélido. – Não seu.

– Eu criei-a desde que nasceu. Mas o que importa isso, não é?

– Eu nem sabia que ela existia.

– Porque a mãe dela pensou que estava morto. Disse-lhe que se ia embora, numa missão secreta? É uma daquelas coisas que um homem como o senhor diz às mulheres, para ir para a cama com elas.

– Se o disse, era verdade.

– Não se lembra? – perguntou ela, pestanejando.

– Não concretamente – respondeu, encolhendo os ombros.

– E estava numa missão?

– Quantos anos tem a menina?

– Não sabe? – perguntou e pestanejou outra vez.

– Não sei nada sobre este assunto. Recebi uma chamada quando estava em Bruxelas e disseram-me que, se não viesse buscar uma filha que tive com uma certa mulher, perderia os meus direitos, para sempre. Fiz um teste de paternidade e sou o pai, para que saiba. Ontem, recebi uma carta que me comunicava que os meus direitos de pai seriam rescindidos e que alguém adotaria a menina se não viesse à audiência de hoje.

– Tem um ano. Acabou de fazer. Onde esteve, recentemente?

– Perto daqui. Estava em Portland, a tratar de um assunto.

– Ah... Um assunto... – murmurou, pondo as mãos na cintura.

– Não posso dizer que assunto era, em concreto.

Felizmente, era um daqueles homens com quem nunca tivera uma relação. Casara muito jovem e o marido era íntegro. Pensava que homens como ele, homens que andavam de cama em cama, indiscriminadamente, só existiam nos filmes.

– Consigo imaginar. Cuidei do fruto desse «assunto».

– Um valor acrescentado para a minha viagem – replicou ele, arqueando uma sobrancelha. – Não sou um turista sexual.

– É muito direto, não é? – perguntou, pestanejando e corando.

– E você é muito desconfiada e incrivelmente preconceituosa.

E, além disso, não estava habituada a lidar com pessoas que falavam com aquela naturalidade sobre o seu mau comportamento. Parecia usá-lo como uma medalha.

– Veio para me tirar a minha menina. Que reação espera que tenha?

Ele olhou à sua volta. Eram as duas únicas pessoas presentes na sala de espera.

– A verdade é que não tinha previsto que teria de ficar a sós consigo.

– Terá de o fazer. Diga-me uma coisa, por que é que um homem que viaja por todo o mundo, a fazer sabe Deus o quê, quer um bebé? Tem esposa?

– Não.

– Tem mais filhos?

– Que eu saiba, não – respondeu, esboçando um sorriso que lhe pareceu atrevido. – Evidentemente, estas coisas podem surpreender-nos.

– Como a quase todos nós, senhor Vasin – replicou, num tom cortante. – Porque a quer?

Era uma boa pergunta, mas não sabia a resposta. Só sabia que, se se fosse embora sem a conhecer e a deixasse abrir caminho na vida, como ele tivera de fazer, o inferno não chegaria para ele. Pensara em não fazer caso da chamada e até em não ir à audiência. Porém, cada vez que pensava nisso, sentia uma pontada de remorso, algo que nem sabia que tinha. Não queria a menina, a todo o custo, mas sabia que também não podia abandoná-la.

– Porque é minha – respondeu, pois era a única resposta que tinha para dar.

– Não é um bom motivo.

– Porque a quer tanto, menina Patel? Não é sua filha, independentemente dos seus sentimentos.

– Não? Os laços de sangue, mesmo que sejam com um desconhecido, são mais importantes do que o carinho recebido? É isso que pensa?

Alik olhou para ela. Era apaixonada. Também era bonita e, numa outra situação, talvez tivesse pensado em seduzi-la. Tinha cabelo preto, resplandecente, pele dourada, olhos cor de mel e uma figura pequena, perfeita. Era um conjunto tentador. No entanto, naquele momento, também era perigosa. Era mais pequena do que ele, mas não o temia. Parecia estar disposta a atacá-lo fisicamente, se fosse necessário.

– Não é uma questão sentimental. Sou o pai e a menina não é a mãe.

– Como se atreve? – perguntou, recuando como uma serpente, disposta a atacar.

– Senhor Vasin... Menina Patel... – uma mulher vestida de preto abriu a porta e espreitou para a sala. – Podem entrar.

 

 

«Tendo em conta que o senhor Vasin está presente e na plena posse das suas faculdades mentais, e tendo em conta que se submeteu a um teste de paternidade que demonstrou que é o pai, não encontramos motivos para o privar da custódia da filha.»

Jada não conseguia parar de pensar na sentença. O juiz lamentava e as assistentes sociais também. Contudo, não havia nenhum motivo para Leena não ficar com o pai. Além disso, o facto de o pai ser multimilionário também era um fator importante. Ela não tinha um cônjuge para a sustentar e a sua única fonte de rendimentos era o seguro de vida do falecido marido que, embora fosse considerável, não era um bilião de dólares. Isso, aliado ao teste de paternidade que demonstrara que ele fora vítima de um mal-entendido, significava que ficara sem fundamento jurídico. Para ela, no entanto, tinha o único fundamento que importava, mesmo que mais ninguém se importasse. Naquele momento, Leena estava com Alik Vasin, para se conhecerem. Não podia estar Leena, pois todos tinham medo que fugisse com ela. Algo que todos lamentavam. Apoiou-se na parede do corredor para respirar fundo, mas por muito que tentasse continuava a sentir falta de ar. Questionou-se se o seu coração também teria parado de bater. Perdeu a força nas pernas e arrastou-se até ficar sentada com os joelhos colados ao peito, sem se importar com o facto de usar saia. Não suportava aquela sensação que conhecia muito bem, que a fazia pensar em calças de ganga velhas, no choque, na dor, na perda...

Ter perdido Sunil aos vinte e cinco anos fora doloroso, injusto e inesperado. O mais doloroso fora suportar o facto de estar sozinha, pois sempre se apoiara em alguém. Primeiro nos pais e depois no marido. Ainda estava a sofrer. Não era justo que, depois de tudo isso, também perdesse Leena. O que restava para a deixarem vazia, sem ninguém para tomar conta dela, nem ninguém de quem se ocupar? Além disso, o que devia fazer consigo própria? Um soluço abriu caminho na garganta e começou a tremer. As pessoas que passavam tentavam não olhar para ela, enquanto perdia as forças no vestíbulo do tribunal. Era-lhe indiferente que uns desconhecidos pensassem que enlouquecera. Certamente, estava louca e era indiferente que se sentissem incomodados ao presenciar a sua dor. Isso não era nada, em comparação com a dor que sentia.

– Menina Patel...

Aquela voz outra vez. Ergueu o olhar e viu o homem que lhe arrebatara a menina. Se não descarregou toda a sua fúria naquele homem foi por Leena, que se retorcia nos braços dele, para tentar ficar no colo dela. Olhou para a menina fixamente, para a recordar com todo o detalhe. Levantou-se lentamente e estendeu os braços. Leena quis precipitar-se para ela e Alik não teve outro remédio senão entregar-lha. Apertou-a nos seus braços e Leena agarrou-se a ela. Fechou os olhos e inalou aquele cheiro único e maravilhoso dos bebés. Já não estava sem forças, conseguia respirar outra vez e o coração batia ao ritmo de sempre.

– Mamã! – exclamou a menina, revelando júbilo e alívio.

Jada ficou devastada.

– Está tudo bem – afirmou. – Está tudo bem.

– Não gosta de mim – comentou Alik, incrédulo e assustado.

– É um desconhecido.

– Sou pai dela – corrigiu ele, como se uma menina de um ano se importasse com a carga genética.

– Ela não se importa com o parentesco. Eu sou a única mãe que conhece.

– Temos de falar.

– Sobre o quê?

– Sobre isto – esclareceu, num tom ligeiramente emocionado, perdendo parte do encanto natural. – Sobre o que temos de fazer.

Não sabia o que ele queria dizer, só sabia que tinha Leena ao colo.

– Onde?

– No meu carro. Tem uma cadeirinha para bebés.

– Está bem.

Acompanhá-lo devia ser estranho, porque não o conhecia, mas o juiz também não encontrara nenhum motivo para não o considerar um pai apto e isso significava que a menina iria com ele. Por isso, não podia hesitar em acompanhá-lo ao carro. Engoliu em seco. Era a única que podia mudar as coisas e passaria cada segundo que pudesse com Leena. Seguiu-o para fora do tribunal. Ele pegou no telemóvel e falou. Ela não reconheceu a língua que falava. Não era russo, inglês ou indiano, as línguas que ela conhecia. Uma limusina apareceu ao fim de alguns segundos e ele abriu a porta de trás.

– Pode entrar...

Pôs Leena na cadeirinha e sentou-se junto dela. Não quis arriscar e permitir que ele se fosse embora enquanto dava a volta ao carro. Talvez estivesse paranoica, mas nunca seria demasiado, em situações como aquela. O luxo do carro impressionou-a e, além disso, havia um balde de prata com gelo e uma garrafa de champanhe. Pensara em celebrar a vitória? Pensara em brindar por ter ficado com a menina? Quis esbofeteá-lo.

– De que quer falar comigo? – perguntou, num tom cortante.

Ele fechou a porta e sentou-se.

– Um copo de champanhe?

– Não. De que quer falar?

– Como conheceu a mãe da menina?

– Leena. Chama-se Leena.

– Que nome é esse?

– Um nome indiano. Dei-lhe o nome da minha mãe.

– Deveria ter um nome russo. Eu sou russo.

– Eu sou indiana e ela é minha filha. Além disso, é demasiado arrogante ao pensar que pode chegar, ficar com a minha filha, separá-la do seu lar, da sua mãe e, ainda por cima, mudar-lhe o nome.

– Não vou mudar-lhe o nome – replicou, arqueando as sobrancelhas. – Não é feio.

– Obrigada.

Amaldiçoou-se por ser tão meiga. Não devia agradecer, devia dar-lhe uma bofetada.

– Muito bem – e endireitou-se. – Como conheceu a mãe de Leena?

– Através... De uma agência de adoção. Disse-me que o pai do bebé estava morto e que não podia criar a menina. Foi uma adoção... Parcial. Ela podia escolher a pessoa que queria que tomasse conta da filha. Não foi fácil para ela, mas concordou.

Lembrou-se do olhar dela, quando lhe entregara Leena. Estava triste, cansada e aliviada.

– E a adoção?

– Normalmente, é formalizada ao fim de seis meses. Em Oregon, a mãe biológica só pode assinar os documentos depois do nascimento do bebé, o que prolonga um pouco o processo. No nosso caso, prolongou-se mais porque... Ela disse que o pai da bebé estava morto, algo que não estava confirmado. Sabia o seu nome, mas não constava como morto, nem conseguia encontrá-lo para renunciar formalmente aos seus direitos. Além disso, não passou tempo suficiente para o declarar como desaparecido.

– Até que me encontraram.

– Efetivamente.

– Lamento, Jada – indicou, embora não parecesse lamentar nada. – No entanto, Leena é minha filha. Não posso desaparecer e deixá-la de lado.

– Porquê? Porque se sente instigado pelo amor e por um laço paternal?

– Não. Porque temos de tomar conta da família. E ela é a única família que tenho.

Noutras circunstâncias, teria tido pena dele, contudo, não sentiu nada.

– Tomar conta dela significaria deixá-la comigo – replicou ela.

– Entendo que pense assim – e olhou pela janela. – Ela não gosta de mim, chora quando pego nela ao colo e, sinceramente, não tenho tempo para tomar conta de uma menina.

– Então, porque veio?

– Porque a outra alternativa era ignorá-la e eu nunca seria capaz de o fazer.

– Então, o que pensa fazer? Contratar amas?

– Tinha pensado nisso. Quer ser a ama de Leena?

– O quê?

Não podia estar a falar a sério. Ama da filha? Ser empregada de um homem que estava a arrebatar-lhe tudo? Ser mãe transformara-se na sua razão de ser e Leena morava no seu coração. Queria que fosse uma empregada, que poderia despedir quando considerasse oportuno?

– Pediu-me para ser a ama da minha filha?

– Tal como o tribunal acabou de declarar, ela não é sua filha.

– Se repetir isso, eu...

– Depende de ti. Podes agarrar-te ao teu orgulho, se quiseres, mas estou a dar-te a oportunidade de veres a tua filha, de continuares a fazer parte da vida dela – esclareceu, tratando-a por tu.

– Como pode fazer-me isto?

Doía-lhe tudo. Ele aparecera e voltara a destruir a vida que acabara de refazer, depois de tanto tempo e esforço. Amara o marido, mas ele não pudera dar-lhe filhos e rejeitara qualquer outra possibilidade. Segundo ele, isso iria recordar-lhe tudo o que não podia dar-lhe, o que ela teria de conseguir com outro. Não haveria inseminação artificial e não geraria o bebé de outro homem. Dissera-lhe que pensaria na adoção, mas nunca o fizera sinceramente. Quando ultrapassara a morte do marido, agarrara-se a isso. Já não era esposa, mas podia ser mãe. Naquele momento, aquele homem estava a arrebatar-lhe tudo, estava a deixar-lhe os braços vazios.

– Não estou a fazer-te nada. É minha filha e vim buscá-la porque é o que tenho de fazer.

– Tem um senso muito errado do que tem de fazer, senhor Vasin.

– Alik. Podes chamar-me Alik. Além disso, o meu senso do que tenho de fazer coincide com o da justiça, portanto, poderia dizer que tu tens um senso de justiça muito errado.

– O meu senso de justiça inclui o coração e não apenas as leis escritas, que não têm em conta as pessoas e as situações em concreto.

– Discordamos nisso. O coração não tem lugar naquilo que faço.

Olhou para ele nos olhos. Eram uns olhos desprovidos de alma. Exceto, quando pegara em Leena ao colo. Nessa altura, vira medo e incerteza. Evidentemente, era um homem que não sabia nada sobre crianças... E queria que fosse ama da filha. Queria assumir o papel de pai de Leena, mas deixá-la nas mãos dos empregados. Aquele homem que vivera uma vida completamente à margem de Leena queria arrancar-lhe o coração.

– Ela é a única pessoa que tenho – confessou Jada, ofegante. – É tudo o que tenho.

– Então, recusas-te por orgulho?

– E porque não sou a ama da minha filha! Sou a mãe. A mera ideia de ser tratada como se me pagassem para...

Era um ataque à sua identidade. Fora a esposa de Sunil e tornara-se mãe de Leena. Não podia voltar a não ser nada.

– Pagaria. Não posso pedir para deixares o teu trabalho e seres a ama dela, de graça, pois não?

– Como podes...?

– Naturalmente, permitiria que vivesses na casa onde a vou instalar. Seria o mais simples para todos. Tenho um apartamento em Paris e outro em Barcelona. Também tenho uma casa em Nova Iorque, mas suponho que seria demasiado barulhento...

– E tu? Onde estarás?

– Continuarei a viver como até agora, mas não tens de te preocupar, Jada. Tal como o juiz disse, sou um homem rico.

– O teu dinheiro e o teu poder não me impressionam, quando a tua ideia de criar uma menina é instalá-la numa casa, em algum sítio do mundo, e deixá-la com os empregados!

– Não é com qualquer empregado, é contigo. Serias uma empregada de muita confiança.

– Canalha!

Não podia aceitar. Não podia permitir que aquele homem, que nem sequer queria viver na mesma casa que a filha, lhe arrebatasse tudo o que sonhara para ela e para Leena.

– Não – acrescentou, num tom emocionado.

– Como disseste?

– Não. Para o carro!

Não sabia o que estava a fazer, até o carro parar. Olhou para Leena e para Alik. Voltou a pensar no medo que vira nos olhos dele, quando pegara na filha ao colo e em como Leena tentara escapar. E então, soube.

– Não – repetiu, abrindo a porta do carro. – Sou a mãe dela. Não podes exigir uma mudança na nossa relação. Se achas que és o pai dela, por causa de um vínculo mágico de sangue, tudo bem, toma conta dela.

Tinha o coração acelerado, mas era a sua única esperança e surgira da ideia de ter visto medo verdadeiro nos olhos ininterpretáveis daquele homem. Se interpretara mal, o mais provável é que não voltasse a ver a filha. No entanto, ele tinha de saber que tinha razão e que precisava dela. Saiu e fechou a porta da limusina. O pânico embargou-a. Afastou-se, com os olhos fechados. Não conseguia respirar, mas rezou para que Alik fosse atrás dela.