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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Barbara Hannay. Todos os direitos reservados.

UM SEGREDO DE FAMÍLIA, N.º 24 - Outubro 2013

Título original: The Mirrabrook Marriage

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-3779-9

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

Sarah Rossiter adorava o rancho Southern Cross.

Nunca se sentia tão feliz como quando cavalgava sobre as planícies avermelhadas no seu cavalo forte e bonito. Adorava ver o céu azul-cobalto sobre a sua cabeça, como uma vela gigantesca, e ouvir o som de centenas de cascos a golpear o chão.

E, sobretudo, adorava levar o gado com Reid McKinnon por Star Valley.

No entanto, trabalhar com Reid não era exatamente o que deveria estar a fazer.

Por isso, naquele ano jurara a si mesma que declinaria amavelmente o convite para reunir o gado. Certamente, poderia escolher entre um milhão de desculpas para lhe dizer que não. Sendo a única professora da escola de Mirrabrook, tinha coisas suficientes para fazer para, além disso, passar os fins de semana a reunir gado.

Mas Reid tinha ido à vila naquela tarde, quando ela estava a fechar a sala de aula. Com os polegares nas presilhas das calças e uma anca apoiada no corrimão do alpendre da escola, perguntara-lhe se estaria livre naquele fim de semana e dissera-lhe que sim.

Assim, sem hesitar. Olhara-lhe para os olhos cinzentos e o seu cérebro derretera-se. Outra vez.

– Sim, Reid, claro que posso ajudar-te. Com todo o prazer.

Tonta!

Mais tarde, tentou justificar a sua fraqueza. Dizia a si mesma que só tinha aceitado ajudar Reid porque a sua irmã, Annie, continuava na Itália e o seu irmão, Kane, fora para o Lacey Downs com a esposa britânica, de modo que fazia falta ajuda no rancho Southern Cross, mas sabia que Reid podia arranjar-se sem ela.

Reid tinha sugerido que ela era particularmente valiosa porque conhecia bem a zona, mas não era essa a razão pela qual tinha aceitado. Na realidade, não interessava a razão, teria aceitado ajudá-lo em qualquer circunstância porque tinha um fraco por Reid. Há dez anos que tinha um fraco por ele.

Assustava-a pensar que tinha desperdiçado uma década inteira da sua vida, dos dezassete aos vinte e sete anos, supostamente os melhores anos de uma mulher, esperando que Reid McKinnon se desse conta de que estava loucamente apaixonada por ele.

Embora, se fosse absolutamente sincera, devesse admitir que aqueles dez anos não tinham sido uma perda de tempo, mas uma aprendizagem.

Mas o resultado era que a sua amizade com Reid, que dera lugar a um romance maravilhoso, não aguentara a passagem do tempo.

Algo correra mal. Algo que parecia doer terrivelmente a Reid.

Sarah não sabia o que se tinha passado ou o que podia ela ter feito de mal, mas sabia que tinha doído tanto a Reid que não era capaz de lho dizer. Embora às vezes tivesse a certeza de que desejava contar-lho, ela não tinha insistido em que o fizesse porque intuía que só serviria para piorar as coisas. A sua estratégia fora, portanto, aceitar a amizade dele em vez do amor, com a esperança de que fosse só uma questão de tempo.

E ali estava, a conduzir o gado do Southern Cross outra vez, simplesmente porque Reid a tinha convidado a fazê-lo.

Um grito à frente dela chamou a sua atenção. Reid estava a indicar com o chapéu que tinha chegado a hora de reunir a manada e isso significava que as primeiras cabeças deviam estar prestes a entrar nos currais.

O gado costumava assustar-se ao ver as grades, de modo que estava na hora de esquecer a sua tristeza e concentrar-se no que estava a fazer. Estava na hora de que os cães fizessem o seu trabalho conduzindo os animais.

Reid estaria à porta do curral, enquanto dois dos cobóis se colocavam de cada lado. O papel de Sarah era ficar atrás para se certificar de que nenhum animal se perdesse.

Por cima do gado, observou a graciosidade com que Reid desmontava, um ato tão natural como respirar para um homem do campo como ele. Uma vez no chão, só conseguia ver os seus ombros, o velho chapéu Akubra e a camisa azul que se ajustava ao seu peito largo.

Sarah mexia-se entre o gado, forçando os mais atrasados a seguir os outros, e só quando tudo parecia ir como devia começou a pensar no que aconteceria quando tivessem terminado.

Reid convidaria os cobóis e a ela para jantar lá em casa, mas deveria aceitá-lo daquela vez como o tinha aceitado tantas outras vezes?

Era sempre agradável passar pela casa depois de um longo dia de trabalho para tomar um duche. E era mais do que agradável estar algumas horas na companhia de Reid, partilhando o jantar e a conversa, um copo de vinho e algumas gargalhadas, mas aqueles dias também eram uma doce tortura para ela.

Tinha passado por aquilo muitas vezes e em algum momento teria de...

Sarah viu uma sombra castanha pelo canto do olho. Uma das vacas dera a volta e outras seguiam-na. A sua égua, Jenny, bem treinada, reagiu antes dela. «Bolas!», pensou, envergonhada. Novamente, deixara que Reid McKinnon a despistasse e agora o seu orgulho estava em jogo.

Segundos depois, Sarah apertava os flancos do animal com os joelhos para ir atrás delas e devolvê-las ao curral.

Mais por sorte do que por outra coisa, chegou à líder da fuga antes que se perdessem entre as árvores do bosque que rodeava o rancho. Em seguida, foi tudo uma questão de pensar e agir rapidamente, colocando a sua égua entre os animais.

Felizmente, as vacas voltaram a trotar obedientemente para o curral e Sarah recusou-se a continuar a pensar em Reid McKinnon até que o último dos animais estivesse dentro da cerca.

O sol começava a pôr-se quando terminaram o trabalho e, enquanto os cobóis ficavam com as vacas para verificar se estavam tranquilas, Reid e ela levaram os cavalos para o estábulo.

Sarah tentou concentrar-se em tirar a sela a Jenny para não admirar como lhe ficavam bem as calças de ganga gastas quando Reid se inclinou para examinar os cascos do seu cavalo. E, especialmente, tentava não recordar como aquelas mãos a tinham acariciado intimamente...

Não, disse a si mesma. Tinha de deixar de pensar nele de uma vez por todas.

Porque não podia aceitar que Reid não estava interessado nela?

Para ele, o passado tinha desaparecido. Nunca tinham tido uma relação íntima, apaixonados, absolutamente loucos um pelo outro.

Sob o disfarce da amizade, ele levara-a a bailes locais ou a festas de beneficência em que se angariava dinheiro para o serviço médico por avioneta que atendia os habitantes daquele lugar. De vez em quando, ia à vila e convidava-a para beber um café ou um copo no pub.

Em algumas ocasiões, tinha passado pela sua casa depois de estar a pescar no rio para lhe levar o que tinha pescado. Inclusive tinha-o cozinhado para ela.

E Sarah sentia-se pateticamente agradecida pela sua amizade.

O problema era, e para Sarah era um problema enorme, que às vezes lhe parecia como se Reid continuasse a sentir-se atraído por ela.

Às vezes, quando a levava a casa depois do baile ou de alguma festa e se despediam no alpendre, sentia uma tensão horrível entre eles. Reid olhava-a com uma mistura de desespero e desejo que era impossível interpretar mal.

Mas nunca a tinha beijado. Ele disfarçava sempre aquele momento incómodo com uma brincadeira e em seguida virava-se rapidamente para entrar na sua carrinha, como se não tivesse acontecido nada.

Eram esses momentos que lhe provocavam tantas noites em branco.

Agora, enquanto escovava Jenny, Reid virou-se para ela e pareceu ficar imóvel.

Estava a acontecer outra vez.

Aquele brilho de ânsia nos olhos dele não era uma fantasia conjurada pela sua imaginação. A paixão que havia neles era real e o seu pobre coração parecia prestes a saltar-lhe do peito.

Cada vez que acontecia algo parecido criava-se um tumulto no seu interior. Sarah esperava que daquela vez Reid a abraçasse e lhe demonstrasse com o corpo o que não parecia capaz de lhe dizer com palavras. Que lhe mostrasse a verdade: que continuava a amá-la.

Naquele momento.

Tinha de acontecer. Tinha de ser naquele momento.

Não podiam continuar assim, era absurdo, penoso.

Penoso. A palavra parecia ecoar na sua cabeça.

Talvez tivesse sido esse eco ou talvez o efeito dos últimos raios de sol que entravam pela porta do estábulo e davam a Reid uma espécie de halo dourado o que a convenceu. Fosse qual fosse a razão, de repente soube que tinha de ser naquele momento.

Um homem que olhava para uma mulher daquela maneira deveria abraçá-la e beijá-la apaixonadamente durante uma semana. Deveria deitá-la docemente sobre os fardos de palha para fazer amor com ela...

Mas, certamente, Reid faria uma brincadeira.

E, se o fizesse, ela afastar-se-ia dele e nunca mais voltaria a vê-lo. Ir-se-ia embora dali, pediria a transferência e começaria a trabalhar como professora em qualquer outro sítio para refazer a sua vida.

O coração pulsava-lhe dolorosamente enquanto o observava a inclinar-se para apanhar a sela do chão. Não desviou o olhar enquanto Reid se aproximava dela e não conseguiu evitar passar a ponta da língua pelos lábios.

Os olhos cinzentos do amor da sua vida seguiam cada um dos seus movimentos e Sarah viu que obscureciam.

«Larga a sela e beija-me, Reid. Sou tua. Tu sabes que sempre fui tua.»

Tudo estava em silêncio quando Reid parou à frente dela. E o silêncio era tão profundo que quase podia ouvir os batimentos do seu coração.

Estava tão perto que podia ver as pintas douradas nos seus olhos e como uma barba incipiente começava a crescer no seu queixo.

«Esta é a tua última oportunidade, Reid.»

Atrás deles, um dos cavalos começou a dar coices.

O som pareceu quebrar o feitiço e Reid sorriu.

E Sarah sentiu um aperto no coração.

– Tens uma erva no cabelo – disse-lhe, levantando uma mão para a tirar.

Sarah fechou os olhos quando aquela mão roçou a sua face, mas, quando os abriu, Reid dirigia-se para a sala das ferramentas agrícolas.

E, quando voltasse, a emoção que vira nos seus olhos ter-se-ia convertido num sorriso.

Mas não.

Quando saiu da sala das ferramentas agrícolas continuava a olhá-la com uma intensidade que a fazia tremer. Sentia-se mal. Se não acontecesse agora, nunca aconteceria.

– É melhor irmos para casa.

Sarah teve de se agarrar à parede. Sentia-se tão cansada que nem conseguia chorar.

– Vens lá a casa, não vens?

Ela tentou engolir em seco.

– Não, hoje não posso, obrigada.

– Não queres provar a comida do novo cozinheiro? É muito boa.

– Ainda tenho de corrigir muitos testes para a semana que vem – para não vacilar, Sarah dirigiu-se para a porta do estábulo. – Vemo-nos noutro dia, Reid.

Ele não disse nada.

Sarah disse a si mesma que era bom sinal, receber uma recusa surpreendera-o, mas, quando se virou para se despedir com a mão e viu que estava a olhar para o chão, claramente dececionado, não experimentou satisfação alguma.

 

 

– Vais deixar a vila? – Ned Dyson, o editor do jornal de Mirrabrook, não poderia parecer mais surpreso se Sarah lhe tivesse dito que tinha sarampo.

– Receio que sim, Ned. Pedi transferência para alguma vila da costa. Estou há muito tempo aqui e certamente não haverá nenhum problema.

Ned levantou os braços num gesto melodramático de desespero.

– A sério que queres ir-te embora depois de tanto tempo?

Sarah assentiu com a cabeça. Estava decidida a fazê-lo.

– As pessoas não vão reagir bem.

– Suponho que não, mas só porque estou há tanto tempo aqui que se habituaram a mim.

– É mais do que isso. Nunca encontraremos outra professora que goste tanto das crianças.

– Claro que sim.

– E a tua coluna no jornal? – insistiu Ned, baixando os óculos pela cana do nariz. – Não vou encontrar ninguém que saiba dar os conselhos que tu dás no consultório sentimental. Todo o distrito lê a tua coluna.

«Pois, está na altura de seguir os meus próprios conselhos.»

– O que aconselho não passa de bom senso, Ned. Tu sabe-lo melhor do que ninguém.

– Mas consegues sempre que as pessoas se sintam bem... Inclusive quando cometem erros tolos – o editor voltou a levantar os braços. – A maioria da gente daqui pensa que contratei alguém da cidade para responder às suas cartas, algum psicólogo famoso.

– Não porque eu seja um génio, mas porque querem acreditar que os conselhos são dados por um especialista. Ambos sabemos que teriam uma desilusão se soubessem que a professora dos seus filhos é a autora de «Pergunte à tia».

– Tanto faz. És muito boa.

– Tenho de ir, a sério. Foi uma decisão difícil de tomar, mas não há outra saída.

Ned franziu o sobrolho, olhando-a como se esperasse uma explicação.

– E Reid? O que vai dizer ele?

Era estranho que quem a conhecia bem continuasse a pensar em Reid como o seu namorado. Naquela vila, continuavam a ser Reid e Sarah, um casal que certamente se casaria um dia. Como era possível que ninguém soubesse a verdade?

– Reid entenderá – suspirou ela. – Recebeste as respostas às cartas desta semana? Enviei-tas por correio eletrónico – disse em seguida, para mudar de assunto.

– Sim, obrigado. Ainda não tive oportunidade de as ler, mas certamente são fantásticas, como sempre. Tanto que a tiragem do jornal diminuirá quando te fores embora.

– Não te assustes já. Tens tempo para procurar alguém que ocupe o meu lugar. Só me irei embora em junho, quando acabarem as aulas.

– Então, estarás aqui para o casamento de Annie McKinnon?

– Sim – Sarah obrigou-se a sorrir ao recordar a chamada de Annie de Roma alguns meses antes. Embora a verdade fosse que sentia uma certa inveja.

Porque é que Kane e Annie McKinnon estavam tão dispostos a casar-se, enquanto Reid...?

Não, não pensava perder nem mais um minuto a pensar nele.

– Annie pediu-me que seja a sua dama de honor.

– Serás uma dama de honor muito bonita.

– Não serei a única, claro. Também convidou algumas amigas de Brisbane.

– Ótimo! – Ned começou a esfregar as mãos, como se acabasse de ter uma ideia magnífica. – Eu penso que o casamento de uma McKinnon é importante neste pequeno vale ao ponto de aparecer na capa do Mirrabrook Star, não te parece?

– Sim, penso que sim – Sarah tentou sorrir, sem o conseguir.

 

 

Sarah, armada de caneta e papel, entrou no seu escritório, um dos dois quartos da sua casinha ao lado da escola, na rua principal de Mirrabrook. Era uma casa pequena, construída há quarenta anos pelo Ministério da Educação, mas ela tinha-a convertido no seu refúgio.

Durante aqueles anos, tinha reunido uma coleção modesta de antiguidades, incluindo uma colcha antiga de patchwork que estava pendurada na sala, vasos de Queensland que costumava encher com flores silvestres, uma cama antiga com cabeceira de ferro e alguns quadros originais.

Adorava rodear-se de coisas bonitas porque a animavam quando estava triste. E, ultimamente, estava triste a maior parte do tempo.

Mas duvidava que alguma coisa a animasse naquela noite, pois estava na altura de fazer uma lista das coisas que levaria quando partisse de Mirrabrook.

Apenas começara a fazer a lista quando se encontrou rodeada de lembranças e, de repente, a tarefa pareceu-lhe muito mais difícil. Ao olhar para o quadro de cortiça cheio de notas que havia sobre a sua secretária, uma vaga de nostalgia invadiu-a.

Cada fotografia, cada papel com a letra de alguma canção, representava uma lembrança. Inclusive estava ali o programa da sua festa de fim de curso do colégio...

Fora a noite em que conhecera Reid, quando só tinha dezassete anos.

Sarah pegou no programa, preso por um pionés. Estava ali há tanto tempo que deixara uma marca de ferrugem no papel.

Deveria tê-lo tirado há anos. O facto de que continuasse ali devia ser um sintoma da sua recusa patética em deixar para trás o seu sonho impossível.

Mas, quando ia deitá-lo fora, hesitou. Grande erro! Porque, apesar do seu desejo de esquecer, sentiu-se invadida pelas lembranças.

E, que Deus a ajudasse, deixou que acontecesse.

De repente, queria recordar tudo... Só mais uma vez.

Deixando-se cair na poltrona, Sarah deixou que as lembranças a envolvessem...