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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2009 Deborah Siegenthal. Todos os direitos reservados.

O CAVALEIRO ESCURO, N.º 252 - Outubro 2012

Título original: Reynold De Burgh: the Dark Knight

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer seme-lhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-1299-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Nota da autora

 

Passou algum tempo desde o último livro dos de Burgh e quero agradecer a todos os leitores que me têm escrito desde então, pelo seu interesse contínuo e pelo seu entusiasmo. Agrada-me, realmente, regressar ao mundo medieval de Campion e dos seus filhos.

Embora estejam indubitavelmente situados no passado, estes personagens têm uma qualidade intemporal. São, certamente, heróis musculados, altos e bonitos. Contudo, penso que grande parte da sua beleza reside no sentido de família que envolve esta série e que se reflete em tudo aquilo que os rodeia. Os filhos de Campion têm orgulho na sua herança, são honrados e leais. Apesar de conhecerem os defeitos e manias dos irmãos, partilham um afeto sincero, mesmo quando gozam uns com os outros, com grande sentido de humor. Para mim, não há nada mais divertido do que juntar os sete irmãos numa visita comovedora e alegre, e espero que vocês sintam o mesmo.

Um

 

Reynold de Burgh estava de pé nas ameias do castelo e observava as terras da sua família, enquanto os primeiros raios de sol iluminavam o horizonte. Passara muito tempo a planear sair de casa, mas agora que o momento tinha chegado, ir-se embora era mais doloroso do que imaginara. Amava Campion e o seu povo, e sentia até a necessidade traiçoeira de ficar, apesar de ter tomado uma decisão.

Podia ficar, mas sabia que aquele dia seria como todos os outros. Só tinha de esperar que o pai, o conde de Campion, trouxesse a sua nova esposa para o salão, para se recordar das mudanças que estavam a ter lugar no castelo. Embora Reynold amasse e reverenciasse o pai, e até tivesse gostado de Joy, a felicidade deles era uma lembrança amarga das suas próprias falhas.

Nos últimos anos, cinco dos seus seis irmãos também tinham casado e Reynold estava dolorosamente consciente de que devia ser o próximo. Embora não sentisse raiva, nem lamentasse os casamentos que tinham conduzido os irmãos para junto das suas esposas, sabia que o futuro não albergava o mesmo para ele.

Mesmo assim, todos em Campion começariam a olhar para ele e para o irmão mais novo, Nicholas, e perguntariam qual seria o último dos de Burgh a ceder. Reynold decidira que era mais fácil ir-se embora, escapar das perguntas, dos olhares compassivos e da felicidade dos outros. Quando Campion começasse a ter novos filhos, ele esperava estar já muito longe.

A ideia fê-lo arrepender-se dos momentos preciosos que esbanjara naquele último adeus e correu pelo castelo, para a paliçada onde o seu cavalo o esperava. Não falara com ninguém sobre os seus planos, mas deixara uma mensagem ao pai, onde dizia que ia em peregrinação.

Embora não tivesse um destino em mente, essa explicação evitaria que a família fosse atrás dele. Uma peregrinação, quer fosse a um templo local ou a um mais longínquo, era uma decisão pessoal que manteria o pai e os irmãos afastados. Reynold não queria que abandonassem as esposas e os filhos para o procurar pelo campo, sobretudo, porque não desejava ser encontrado.

Com cuidado, para não ser visto pelos empregados e homens livres que começavam a acordar ao amanhecer, Reynold estava prestes a montar o seu cavalo quando ouviu o som dos sinos, proveniente das sombras junto das portas do castelo. O som poderia ter sido qualquer coisa e, no entanto, tinha a sensação de que talvez tivesse esperado demasiado para fugir. As suas suspeitas foram depressa confirmadas, quando viu uma mulher roliça a correr para ele.

– Oh, está aqui! – gritou ela, enquanto abanava o braço, o que fez com que os guizos da manga tocassem novamente.

Reynold conteve um gemido. Desde que o irmão Stephen se casara com Brighid l’Estrange, as tias dela tinham liberdade absoluta para entrar e sair de Campion. Eram mulheres gentis e faziam companhia a Joy numa casa composta na sua maioria por homens, mas havia algo nelas que fazia com que o seu aparecimento súbito, naquele momento, não fosse surpreendente.

Reynold semicerrou os olhos.

– Peço perdão, menina Cafell, mas não tenho tempo.

– Oh, sabemos que se vai embora – disse ela e abanou a mão enquanto a irmã, Armes, emergia de entre as sombras para se juntar a ela.

Reynold não queria deixar-se enganar pelas palavras delas. De facto, ia dizer-lhes que ia examinar os campos ou fazer qualquer outra tarefa para ajudar o pai e o oficial de justiça, para poder assim livrar-se delas. No entanto, quando abriu a boca, disse o que estava mais presente na sua mente.

– Não tentem deter-me.

– Nunca o tentaríamos, querido – afirmou Cafell, dando-lhe uma palmadinha no braço.

– Claro, deve ir – acrescentou Armes. Mais alta do que a irmã, ergueu o queixo e olhou para ele com seriedade. – É o seu destino, completar a sua missão.

Aquelas palavras não só eram inesperadas, como também não faziam o menor sentido.

– Que missão?

– A normal, suponho – disse Cafell, com um sorriso. – Deve matar um dragão, resgatar a rapariga em apuros e recuperar a sua herança.

Durante vários segundos, Reynold simplesmente ficou a olhar para elas, confuso com aquelas palavras. Depois, soprou com desdém.

– Confunde-me com São Jorge – respondeu.

– Oh, não me parece – disse Armes.

– A sério, lorde Reynold, talvez alguns pensem que os de Burgh são santos, mas depois de os conhecer pessoalmente, estou de acordo com Armes – acrescentou Cafell. – Embora, todos tenham qualidades importantes.

Reynold abanou a cabeça. Não tinha tempo para aquelas mulheres e para as suas ideias loucas, que só um tonto levaria a sério. Sabia bem que os irmãos teriam rido com a ideia de uma missão baseada numa lenda romântica. De facto, aquele pensamento fê-lo perguntar-se se algum dos seus irmãos, provavelmente, Robin, teria convencido aquelas mulheres a gozarem com ele.

Mas Robin não estava ali, vivia em Baddersly, onde se encarregava do território da esposa do seu irmão Dunstan. Nenhum deles, exceto o irmão mais novo, Nicholas, podia ser o culpado e, mesmo assim, ele não se atreveria a fazer tal brincadeira. Como é que Nick, ou qualquer outro, poderia ter descoberto que Reynold se ia embora? Não dissera a ninguém e o único sinal dos seus planos era o saco que preparara naquela mesma manhã.

– Não há tempo para conversas pouco importantes, irmã – lembrou Armes. Depois, voltou a olhar para Reynold. – Deve ir, mas não vá sozinho – levantou a mão e chamou um jovem que trazia um cavalo carregado com coisas. – Este é Peregrine, que será o seu escudeiro durante a viagem.

Reynold olhou para o jovem com o sobrolho franzido, que não pareceu intimidar-se sob o seu escrutínio. De facto, o rapaz esboçou um sorriso antes de montar o cavalo, como se estivesse ansioso por partir.

Reynold voltou a abanar com a cabeça. Se quisesse companhia, teria escolhido o seu próprio escudeiro, que o servira bem durante os últimos dois anos. Mas não levaria Will para longe do seu lar, Campion, para enfrentar o perigo e, possivelmente, não voltar. Porque haveria de levar aquele rapaz?

– Será melhor apressarmo-nos, milorde – disse Peregrine, com uma certeza tranquila. Aquelas palavras fizeram com que Reynold se virasse para o seu cavalo. Não era o momento de discutir. Podia enviar o rapaz de volta, mais tarde. Como se estivesse tão ansioso para se ir embora como ele, o cavalo agitou-se, inquieto, mas Cafell aproximou-se dele mais uma vez.

– Tome isto também, milorde, para que o proteja – e entregou-lhe um pequeno saco de tecido.

Ao princípio, Reynold rejeitou-o.

– Vou numa peregrinação e não numa missão – disse, cerrando os dentes. Mas um som proveniente da paliçada fê-lo aceitar o presente e atá-lo ao cinto. Depois, olhou para ambas as mulheres, que eram os únicos membros da família que presenciariam a sua partida e sentiu um nó na garganta. Olhou para elas durante vários segundos, sabendo que tinha a oportunidade de deixar uma mensagem ao pai, mas finalmente, só disse o que era mais importante para ele.

– Não deixem que venham atrás de mim.

Agarrou nas rédeas e dirigiu-se para as portas de Campion sem olhar para trás.

 

 

– Reynold foi-se embora? – lady Joy de Burgh falou sem a sua compostura habitual, de pé, à cabeceira da mesa, segurando o pergaminho que o marido, sem palavras, lhe entregara. Leu as palavras, mas era incapaz de acreditar no que lia. Sem esperar uma resposta, sentou-se na cadeira. – Isto é por minha culpa – sussurrou, quase sem se atrever a dizer em voz alta as angústias que tinham invadido a sua mente, desde que se casara impetuosamente com o conde de Campion. – Foi-se embora por mim – disse, olhando para o marido, embora com medo de ver a confirmação nos olhos dele.

– Não – disse Campion, enquanto se sentava. – Isto estava para acontecer há muito tempo.

Joy teria perguntado mais ao marido, se o filho Nicholas não tivesse aparecido. Não lhe escapava nada do que se passava à sua volta.

– Reynold foi-se embora? – perguntou ele. – Para onde foi?

Campion recolheu o pergaminho que caíra das mãos de Joy e entregou-o ao mais novo dos de Burgh.

Nicholas leu a missiva rapidamente e depois olhou para o pai.

– Mas porque não me disse? Porque não me levou com ele? Estou ansioso por viver aventuras – isso era evidente para qualquer pessoa que olhasse para aquele jovem alto e moreno, que crescia sem parar.

– Não me parece que gostasses da peregrinação – disse Campion.

– Mas porque foi sozinho? – perguntou Nicholas.

Isso também preocupava Joy. Os peregrinos que viajavam sozinhos podiam ser uma presa para todo o tipo de vilãos, desde ladrões comuns a taberneiros assassinos. Todos os de Burgh pensavam que eram invencíveis, mas um homem não conseguiria derrotar um grupo de atacantes, nem lutar contra o sequestro, a pirataria, a injúria ou a doença...

– Não se foi embora sozinho. Peregrine foi com ele.

Joy levantou o olhar, surpreendida, e viu uma das irmãs l’Estrange diante deles. Depois, olhou para o marido. Peregrine? Era o jovem que as irmãs tinham trazido consigo naquela visita ao castelo? Parecia não ser mais do que um menino.

– A sério? – perguntou Campion, com uma expressão pensativa.

– Não sei como é que um menino pode ajudar – comentou Nicholas.

– Nunca se sabe – disse Cafell, com um dos seus sorrisos misteriosos. Parecia que ia dizer mais, mas a irmã Armes puxou-a pelo braço e afastou-a da mesa.

– Conhecemos esse Peregrine? – perguntou Nicholas.

– É melhor ter um escudeiro do que nada – disse Campion que, obviamente, não queria discutir os méritos do jovem. E de que serviria? Não importava quem Reynold levara, pois continuavam a ser dois homens sozinhos, num caminho que podia ser perigoso.

– Que peregrinação fará? – perguntou Joy. Durham, Glastonbury, Walsingham e Canterbury eram longe. Santiago de Compostela e Roma, mais longe ainda. – Não irá para a Terra Santa – pensar naquela viagem tão perigosa deixava-a com falta de ar, pois recordava-se de quando o rei Eduardo fizera a sua cruzada por aquelas terras longínquas.

Fez-se silêncio entre os três de Burgh, enquanto Campion abanava a cabeça, incapaz de dar uma resposta.

Joy observava o marido, mas ele não dava sinais de inquietação, só tinha aquela expressão pensativa que ela conhecia tão bem.

– Podes enviar alguém – sugeriu ela.

– Eu vou – ofereceu-se Nicholas.

Mas Campion voltou a abanar a cabeça.

– Deve fazer o que tem de fazer.

Joy sabia que o marido não era infalível, mas a certeza da sua voz reconfortava-a e procurou a mão dele. Embora Reynold não fosse tão sombrio e amargurado como pensara ao princípio, era o mais infeliz dos sete filhos de Campion, uma exceção num lar tão próspero e alegre. Talvez o pai esperasse que, com aquela viagem, apesar dos perigos, Reynold encontrasse o que procurara durante toda a sua vida.

Joy desejava-o fervorosamente.

 

 

Ao ver a bifurcação no caminho mais adiante, Reynold diminuiu a velocidade sem saber que rota seguir. Para onde se dirigia?

– Para onde vamos?

Ao ouvir alguém a expressar em voz alta a sua pergunta, Reynold assustou-se, virou a cabeça e viu o jovem que as l’Estrange lhe tinham oferecido. Perdido nos seus pensamentos, passara horas em silêncio desde que se tinham ido embora e esquecera-se por completo do rapaz. Peregrine, era o nome dele. Habituado à conversa incessante de uma comitiva, quando viajava, Reynold perguntava-se se o seu acompanhante seria mudo, mas então recordou as palavras que o tinham feito ir-se embora.

Com o sobrolho franzido, Reynold olhou para o rapaz que, apesar de estar vestido com simplicidade, estava limpo e asseado. Reynold não sabia porque as l’Estrange teriam decidido que Peregrine devia ser o seu escudeiro, porque estava habituado a escolher sozinho.

Um escudeiro apropriado seria de boa família, que ele conhecesse, valente e honrado. Muitos escudeiros começavam como pajens e encarregavam-se de servir à mesa antes de poderem limpar a armadura de um cavaleiro. Devia também saber de armas, de caça e de torneios, para além das coisas que se presumiam, como as boas maneiras, a música e a dança. E qualquer escudeiro dos de Burgh tinha de saber ler, ter interesses de todo o tipo e sede de conhecimento.

Peregrine teria aprendido todas essas coisas no lar de duas idosas excêntricas? Reynold duvidava. E embora estivesse pronto, Reynold não tinha de o levar para o desconhecido.

– O meu destino não te diz respeito, porque vou continuar sozinho. Tu podes voltar para Campion.

– Não posso, milorde.

Já se sentia incapaz de encontrar o caminho de volta?

– Vira-te, simplesmente, e segue o caminho – disse Reynold. – Vai levar-te de volta a casa.

– Não, milorde, as l’Estrange disseram-me que não devia regressar sem si.

Reynold gemeu. Aquelas mulheres idiotas pensavam que o jovem Peregrine estava pronto para cuidar de um cavaleiro experiente? Provavelmente, seria ao contrário e o jovem transformar-se-ia num incómodo à medida que avançavam.

– Então, liberto-te do serviço. Vai para a vila mais próxima e apresenta-te ao senhor do feudo.

O rapaz abanou a cabeça. Não parecia alarmado, nem furioso, só insistente.

– Estou ligado às l’Estrange.

– Então, regressa e ocupa-te dos teus outros trabalhos – sugeriu Reynold. Embora nunca tivesse ido à casa das l’Estrange, sabia que as tias de Brighid viviam nos confins dos terrenos de Campion, um trajeto que não devia ser muito comprido, nem perigoso para o jovem.

– Não poderia. Dei-lhes a minha palavra, milorde.

Embora incomodado com as negativas do rapaz, Reynold respeitava essa lealdade, sobretudo, vinda de um jovem sem tutela. Poderia insistir, é óbvio, mas sempre existiria a possibilidade de Peregrine tentar segui-lo e ter um incidente. «Pelo menos, o jovem não parece ser o tipo de companheiro que não para de falar durante o caminho», pensou Reynold, e aquilo fê-lo voltar à pergunta original.

Para onde iam?

Embora não quisesse admiti-lo à frente do rapaz, Reynold não tinha a mínima ideia. Quando tinha decidido ir-se embora, pensara vagamente em se juntar ao exército de Eduardo. Mas lutar contra os gauleses não lhe parecia bem, quando a esposa do irmão tinha herdado uma mansão que se situava lá. E dizia-se que Brighid possuía o tipo de poderes que ninguém quereria enfrentar. As l’Estrange eram todas... Estranhas e Reynold franziu o sobrolho ao relembrar como tinham aparecido naquela manhã.

– Como é que as tuas senhoras souberam que eu me ia embora? – perguntou a Peregrine.

– Não sei, milorde. No entanto, diz-se que têm poderes divinatórios, portanto, talvez soubessem por tais meios. Uma missão, é como lhe chamam.

Reynold soprou ao ouvir aquela tolice.

– Não tenho nenhuma missão, de nenhum tipo. Esta viagem não tem nada a ver com os romances, se é isso que estás a pensar. Viajamos sem a comitiva habitual e até os peregrinos enfrentam perigos que tu desconheces. Não serei responsável por embarcares nesta viagem, com a tua palavra ou sem ela.

Mas Peregrine não parecia desanimado. Na verdade, o rapaz esboçou um sorriso que deixou bem clara a sua determinação.

– Quem não procuraria uma aventura, se lhe dessem uma oportunidade? – perguntou o jovem, como se estivesse a questionar a prudência de Reynold.

Reynold respondeu ao desafio com um sorriso, pois os irmãos e ele já tinham perguntado o mesmo. E pela primeira vez naquele dia, sentiu-se melhor. Imaginou-se como um viajante solitário, até mesmo como um banido, embora por decisão própria. Mas aquele jovem podia ser um companheiro agradável.

– Então, vamos – aceitou Reynold. Levou Sirius pelo caminho da direita e afastou-se do outro que conduzia à casa do irmão Dunstan. Aquela rota, como Peregrino, indicara claramente que conduzia a algo novo. Embora, ao contrário do rapaz, Reynold não procurasse uma aventura. Na verdade, esperava não encontrar nada. Nem ninguém.

E, mesmo assim, mal tinham avançado pelo novo caminho quando pararam. Reynold semicerrou os olhos e viu ao longe um cavalo com o seu cavaleiro. Ao aproximar-se, apercebeu-se de que se tratava de um homem e de um menino. Estavam bem vestidos e pareciam inofensivos, à exceção de um bastão robusto de madeira que sobressaía nas costas.

– Bom dia, senhor – disse o homem, inclinando a cabeça. – Para onde se dirige?

– Somos peregrinos – disse Peregrine e Reynold apercebeu-se de que teria de falar com o rapaz sobre os méritos da discrição.

– Nós também! – exclamou o homem. – Para onde se dirigem?

Peregrine não tinha a resposta, portanto, olhou para Reynold, que não disse nada.

– Ah... Mostra-se reticente. É compreensível. Mas podemos ir consigo? A fortuna favorece aqueles que viajam juntos.

– Não sei se o seu cavalo consegue acompanhar o nosso ritmo – respondeu Reynold, renitente em acrescentar mais gente ao que começara por ser uma viagem solitária.

– Sem dúvida, não terá pressa – insinuou o homem. – Parte da viagem consiste em desfrutar da paisagem e da boa companhia dos outros.

Era a companhia que desanimava Reynold, pois não era tão sociável como os irmãos. Sempre fora reservado e não tinha interesse em conduzir um grupo através do campo.

Mas o homem mostrou-se insistente.

– Suplico-lhe, como companheiro peregrino, que nos deixe viajar consigo por causa da segurança que um grupo proporciona. Não lhe peço por mim, mas pelo rapaz, que procura o poço da cura de Brentwyn. Como vê, está coxo.

Ao ouvir as palavras do homem, Reynold ficou rígido. O seu primeiro palpite foi que ele também estava a brincar, porque fazia parte do plano traçado por um dos seus irmãos para transformar a sua fuga de Campion numa brincadeira. Mas como e porquê? Finalmente, Reynold desdenhou essa ideia. Embora gostasse de ignorar também as preces do outro peregrino, ele era um cavaleiro e devia proteger os fracos.

– Muito bem – concordou.

Depois de lhe agradecer repetidas vezes, o homem apresentou-se como Thebald e o rapaz como Rowland.

– Eu sou Reynold e este é Peregrine – disse Reynold, com a esperança de que o seu escudeiro se comportasse com discrição. O apelido de Burgh era muito conhecido, pelo menos, em algumas zonas, e não queria lidar com as reações que poderia causar. Aceitara partilhar alguns quilómetros da viagem e não o seu passado.

Por sorte, Peregrine pareceu circunspecto quando entrou na conversa com os desconhecidos. Mesmo assim, Thebald e ele falavam amigavelmente e contavam histórias sobre diversos templos. Reynold ouviu por um momento, mas não tinha paciência para isso e depressa regressou aos seus pensamentos, concluindo que os seus planos de ter uma viagem tranquila e solitária se tinham transformado naquilo.

 

 

Algo o despertou. Ao contrário do irmão Dunstan, Reynold não dormia apoiado contra uma árvore quando viajava, mas mesmo assim não seria um de Burgh se não permanecesse alerta a qualquer som e fosse cauteloso. Portanto, acordou mas manteve os olhos fechados enquanto ouvia atentamente.

O que ouviu foi algo a arrastar-se, mas era um homem, não um animal, como se alguém estivesse a mexer nas suas coisas. Ficou totalmente imóvel e abriu ligeiramente os olhos para poder ver alguma coisa. Tinham acampado nas ruínas de um antigo edifício, junto da estrada, o que lhes dava uma certa segurança, mas a fogueira apagara-se ou tinham-na apagado.

A única luz era a que a lua proporcionava e que brilhava entre as ruínas do edifício, mas era suficiente para iluminar o bastão pesado que se abatia sobre a sua cabeça. Thebald estava de pé, junto dele, com a arma pronta, enquanto o rapaz, que usara o bastão anteriormente para andar, rebuscava sem ajuda entre os pertences de Peregrine. Teriam deixado o seu escudeiro inconsciente?

Ao pensar no destino de Peregrine, Reynold levantou-se com um salto e um grito. Embora forte e tenaz, Thebald não era rival para um cavaleiro treinado como ele e Reynold não teve problemas em lhe tirar o bastão, enquanto o ladrão pedia compaixão. O rapaz, que obviamente não estava aleijado, tirou uma adaga e atirou-a com destreza, um projétil mortal destinado ao peito de Reynold.

Peregrine, que devia estar a dormir, acordou com o barulho e gritou enquanto se levantava. Reynold olhou para ele e viu como era derrubado pelo jovem bandido, que lutava com a ferocidade de um demónio. Ambos rebolaram pelo chão à volta das brasas da fogueira e avivaram o fogo.

Reynold puxou a adaga que se cravara no seu peito e encostou-a ao pescoço de Thebald.

– Diga-lhe para parar, se valoriza a sua vida.

– Para, Rowland. Para! – gritou o ladrão.

O jovem aprendiz não pareceu ter ouvido, portanto, Reynold bateu a Thebald com o bastão, com força suficiente para evitar mais maldades e depois devolveu a sua atenção à briga, que se aproximava perigosamente do fogo. Era evidente que o bandido estava a tentar aproximar Peregrine das brasas, com a esperança de lhe pegar fogo.

Com um gemido, Reynold agarrou Rowland pelo pescoço e atirou-o ao chão. Antes de conseguir levantar-se, Reynold já lhe pusera a adaga no pescoço.

– Ouve atentamente, falso aleijado, a não ser que queiras perder a vida. Eu sou coxo e mesmo assim posso degolar-te como um peixe.

Mesmo depois de ver o seu mestre no chão, Rowland continuava a comportar-se de forma difícil. Não admitia nada e resistia tanto que Reynold se viu obrigado a atá-lo com uma corda. Depois de Peregrine e ele pegarem nos seus pertences e montarem os cavalos, levando também consigo o cavalo dos ladrões, o jovem bandido começou a praguejar.

– Não consigo acreditar – murmurou Peregrine, obviamente agitado por causa da luta. – Parecia ser tão amável e gentil esta tarde.

– Espero que tenhas aprendido a lição. As aparências iludem.

– Podiam ter-nos matado enquanto dormíamos!

– A ti talvez, mas não a mim – quando Peregrine baixou a cabeça, envergonhado, Reynold suavizou o tom. – Penso que são apenas ladrões vulgares, que ganham a vida a roubar peregrinos. Provavelmente, matar é o seu último recurso, caso contrário, ter-nos-iam matado primeiro e roubado depois.

Peregrine não parecia convencido.

– Mas... E a faca? Vi-a cravada no seu peito! Não está ferido, milorde?

Reynold abanou a cabeça.

– Eu não viajo sem a minha cota de malha, mas tapei-a com a túnica para não chamar a atenção.

– Mas vai sempre chamar a atenção.

Estava a referir-se à sua perna? Reynold lançou-lhe um olhar de reprovação e o rapaz empalideceu.

– Quero dizer... Tem essa grande espada e, bom, é um de Burgh. Quem poderia confundi-lo?

Reynold soprou.

– Thebald e Rowland não me reconheceram. Se é que esses eram os verdadeiros nomes.

– É verdade o que lhe disse? – perguntou Peregrine. – Não se nota, ao olhar para si.

– Sim, tenho uma perna magoada – disse Reynold.

– Foi ferido numa batalha?

– Não. Sou assim desde que nasci – afirmou com uma indiferença que não sentia. Mas mantinha a pose com facilidade, pois estava habituado a esconder os seus sentimentos.

– Foi por causa da parteira?

Perdido nos seus pensamentos, Reynold surpreendeu-se ao ouvir a pergunta, porque ninguém lhe perguntava pela sua perna. Nunca falava do assunto. Embora não pudesse culpar o rapaz pela sua curiosidade, não queria falar, sobretudo, quando não tinha resposta para a pergunta. Simplesmente, encolheu os ombros.

– Só perguntei porque a minha irmã ajudou a parteira em minha casa e diz que, às vezes, o bebé não está na posição correta para sair adequadamente. As mulheres tentam mexê-lo o melhor que podem, mas quem sabe que lesão podem causar? E alguns não saem ou veem os pés primeiro. Foi isso que lhe aconteceu?

Novamente, Reynold encolheu os ombros. Não tinha a certeza, pois todos os que estavam envolvidos tinham morrido.

– Ou talvez tenha sido por causa das ligaduras – disse Peregrine, como se pensasse em voz alta. – Supostamente, usam ligaduras para esticar e endireitar os membros do bebé, mas com cuidado. A parteira disse à minha irmã que se for mal feito, pode fazer com que os homens fiquem...

O rapaz devia ter percebido o que estava a dizer, porque parou bruscamente e deixou a frase a meio.

Ficou suspenso no ar um nome que Reynold raramente ouvia, mas que doía de igual modo. Respirou fundo e falou num tom destinado a acabar a conversa.

– Não sou um aleijado.