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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2010 Kate Hewitt

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Um coração inalcançável, n.º 1308 - junho 2018

Título original: The Bride’s Awakening

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-308-1

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 5

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

 

 

 

 

Vittorio Ralfino, conde de Cazlevara, entrou no castelo de São Stefano e procurou entre os convidados a mulher com que tencionava casar-se. Não a via há dezasseis anos… Ou, se a vira, não se apercebera, mas tencionava casar-se com ela.

Não era fácil encontrar Anamaria Viale entre as mulheres elegantes que circulavam pela sala, iluminada por grandes lustres. A única coisa que recordava de quando a vira no funeral da sua mãe era uma cara triste e um cabelo comprido e escuro. Então, Anamaria tinha treze anos.

A fotografia da revista não lhe dava muito mais informação, só que tinha dentes bonitos. Mas o seu aspecto físico não lhe interessava. Anamaria Viale possuía as qualidades que ele procurava numa esposa: lealdade, boa saúde e um amor partilhado por aquela terra. O vinhedo da família Viale unir-se-ia ao seu e, juntos, geririam um império e criariam uma dinastia. Mais nada importava.

Impaciente, Vittorio entrou na sala medieval, reparando nos olhares de curiosidade dos vizinhos e conhecidos. Ouviu os murmúrios especulativos e soube que ele era o assunto de conversa. Só voltara a Veneto algumas vezes durante os últimos quinze anos porque a sua intenção fora afastar-se daquele sítio cheio de lembranças amargas. Como uma criança ferida, afastara-se da dor do seu passado, mas agora era um homem e estava de volta a casa para encontrar uma esposa.

– Cazlevara! – alguém lhe deu uma palmadinha nas costas, pondo depois um copo de vinho na sua mão. – Tens de o provar. É o novo tinto de Busato, feito com uma mistura de uvas, vinífera e molinara. O que te parece?

Vittorio inalou o cheiro do vinho antes de beber um gole, mexendo o líquido na sua boca durante alguns segundos.

– É bom – respondeu. Mas não queria começar uma discussão sobre os benefícios da mistura de uvas ou se Busato, uma pequena região vitivinícola da zona, poderia ser competição para a Castelo Cazlevara, a sua própria adega e a melhor da zona. A única coisa que queria era encontrar Anamaria.

– Decidiste voltar para casa? Vais continuar com o vinho?

Vittorio olhou para o homem que falava com ele, Paolo Prevafera, um colega do seu pai. As suas faces redondas estavam coradas e sorria com a simpatia de um bom amigo, embora nos seus olhos houvesse um brilho interrogante.

– Nunca deixei que me dedicar ao vinho, Paolo. A Castelo Cazlevara produz novecentas mil garrafas por ano.

– Enquanto estavas de viagem pelo mundo…

– Isso chama-se marketing – Vittorio apercebeu-se de que falava entredentes e sorriu para disfarçar. – Mas sim, decidi voltar para casa.

Para casa, para evitar que o seu irmão Bernardo gastasse os lucros da adega. Para casa, para evitar que a sua mãe traidora lhe arrebatasse o que era seu e dos seus herdeiros.

Ao pensar isso, o seu sorriso forçado tornou-se genuíno.

– Viste Anamaria Viale?

Era demasiado impaciente e sabia. Quando tomava uma decisão não esperava um segundo. Decidira casar-se com Anamaria há uma semana, mas já lhe parecia uma eternidade. Queria que o vinhedo Viale se unisse aos dele, queria que ela se unisse a ele, na sua cama, ao seu lado, como sua esposa.

Paolo sorriu e Vittorio fez um esforço para retribuir o sorriso. Sabia que haveria rumores, especulações, mexericos.

– Tenho de lhe fazer uma pergunta – explicou, encolhendo os ombros.

– Estava à frente da lareira há um instante. Como é possível que não a tenhas visto?

Vittorio não entendeu a que se referia até se aproximar da lareira. Sob uma enorme cabeça de javali montada sobre a pedra havia um grupo de homens a beber goles de vinho e a conversar. Pelo menos, pensara que eram todos homens. Mas, quando olhou melhor, viu que a figura alta no meio de todos eles era uma mulher.

Anamaria.

Vittorio cerrou os dentes ao ver a mulher que seria sua esposa. Vestia um fato de aspecto caro, mas demasiado largo para ela, e o seu cabelo era escuro e comprido, preso com um gancho.

As mulheres com que costumava ir para a cama eram magras, até mesmo frágeis. Mas Anamaria não era assim. Também não era gorda, não. De ossos fortes talvez, embora a sua mãe lhe tivesse chamado gorda.

Teve de cerrar os dentes ao pensar na sua mãe. Desejava ver a sua expressão quando lhe dissesse que ia casar-se. Bernardo, o seu filho favorito, embora fosse um idiota, nunca herdaria a fortuna dos Cazlevara. Os planos da sua mãe, uns planos que urdira desde a leitura do testamento do seu pai, não chegariam a lado nenhum.

Ia casar-se e o aspecto da sua futura esposa não tinha a menor importância. Ele não queria uma mulher bonita. As mulheres bonitas como a sua mãe nunca estavam satisfeitas e queriam sempre mais. Deixara a sua última amante no Rio de Janeiro a fazer birra porque queria mais tempo, mais dinheiro, mais amor. Vittorio dissera-lhe que não voltariam a ver-se.

Anamaria, tinha a certeza, aceitaria o que lhe oferecesse e sentir-se-ia agradecida. Isso era exactamente o que ele procurava, uma esposa, uma esposa humilde e agradecida, o acessório mais importante que um homem podia possuir.

Anamaria Viale era uma mulher muito alta e forte que, certamente, não estaria habituada à atenção dos homens. E Vittorio antecipou a sua alegria quando o conde de Cazlevara a procurasse.

De modo que deu um passo em frente e sorriu, sabendo o efeito que aquele sorriso exercia nas mulheres.

– Anamaria – chamou-a.

Ela virou-se, olhando para ele com cara de total perplexidade. E depois sorriu, um sorriso frágil e trémulo que iluminou as suas feições durante um minuto. Vittorio retribuiu o sorriso, quase desatou a rir-se. Aquilo ia ser tão fácil, pensou.

Mas, então, Anamaria recuou e o sorriso transformou-se numa careta de… desdém? Vittorio estava a tentar entender a repentina mudança de atitude quando ela disse:

– Olá, signor Ralfino! – tinha a voz quase tão rouca como um homem, pensou, um pouco aborrecido.

Embora não houvesse nada desagradável nas suas feições: sobrancelhas rectas, um nariz bem proporcionado, olhos cinzentos-escuros, dentes bonitos. Não era feia, simplesmente não era bonita.

Vittorio ofereceu-lhe o seu melhor sorriso, o que destacava a covinha na sua face, decidido a ganhar o coração daquela solteirona. Uma mulher como Anamaria agradeceria qualquer atenção, tinha a certeza.

– Deixe-me ser o primeiro a dizer-lhe como está bonita esta noite.

Ela levantou uma sobrancelha, sem parar de olhar para ele com algo que parecia desagrado. Embora não pudesse ser, era impossível.

– Certamente, seria o primeiro.

Vittorio demorou um momento a entender a ironia. Não conseguia acreditar que estava a rir-se dele e de si própria. Incomodado, estendeu uma mão para segurar na de Anamaria com intenção de a levar aos lábios.

Os homens que estavam à sua volta tinham dado um passo atrás, mas Vittorio sabia que observavam a cena com atenção. O seu primeiro encontro com Anamaria não estava a correr como esperava.

– A que devo este prazer? – perguntou-lhe ela. – Penso que não nos vemos há mais de uma década.

– Simplesmente, alegro-me por voltar para casa e por estar entre mulheres bonitas.

Anamaria emitiu um suspiro… Literalmente, emitiu um suspiro de contrariedade ou brincadeira e Vittorio teve de rever a sua opinião sobre aquela rapariga.

– Vejo que aprendeu palavras amáveis nas suas viagens pelo mundo. Demasiado amáveis.

E, depois de dizer isso, virou-se, deixando-o atónito.

Vittorio ficou imóvel, perplexo. Anamaria Viale desprezara-o à frente de todos.

Sentiu os olhares de curiosidade, até viu alguns sorrisos, e soube que o tinham posto no seu lugar como se fosse uma criança má que a professora quisera castigar.

A conclusão inevitável era que o seu encontro com Anamaria fora um fracasso.

Pensara em pedi-la em casamento, se não naquela mesma noite, dentro de alguns dias, porque quando decidia alguma coisa levava-a a cabo imediatamente. Não tinha nem tempo nem paciência para emoções e, francamente, pensara que seria muito fácil com Anamaria.

Mas estava enganado.

Depois de ler o artigo sobre ela e de ver a sua fotografia, pensara que agradeceria os seus cuidados. Anamaria era uma mulher solteira prestes a fazer trinta anos e a sua proposta devia ser um presente inesperado e bem-vindo para ela. Talvez até um milagre.

Mas, pelos vistos, fora demasiado arrogante. Conquistar Anamaria Viale não ia ser tão fácil como pensava.

Vittorio sorriu. Pouco importava, gostava de desafios. Embora houvesse uma certa pressa. Tinha trinta e sete anos e precisava de uma esposa e de um herdeiro o mais depressa possível.

Mas tinha uma semana ou duas para a conquistar. Não estava interessado em fazer com que ela se apaixonasse por ele, pelo contrário, só queria que se casasse com ele. Não havia outra candidata e estava decidido a fazer com que fosse dele.

Mas agira como um tolo e estava incomodado consigo próprio por pensar que uma mulher, qualquer mulher, podia ser deslumbrada com tão pouco esforço.

Da próxima vez que visse Anamaria Viale sorriria porque não conseguiria evitá-lo. Da próxima vez que se vissem seria nos seus termos.

 

 

Anamaria afastou-se do arrogante conde de Cazlevara, perplexa. Porque se aproximara dela? Embora tivessem sido vizinhos durante anos, não o via há muito tempo. E antes, quando se viam, nunca tinham partilhado mais de duas palavras. Mas agora, de repente, aparecia e fazia aqueles elogios ridículos…

Mulheres bonitas. Anamaria não era uma delas e sabia. Nunca seria bonita, tinham-lho dito muitas vezes. Era demasiado alta, de ossos fortes, demasiado masculina. A sua voz era rouca, as suas mãos e os seus pés eram demasiado grandes, tudo nela era trôpego e pouco feminino, nada atraente para homens como Vittorio Cazlevara, que saía com modelos e actrizes muito bonitas.

Vira as fotografias nas revistas, embora as tivesse visto com dissimulação, por curiosidade. E, para ser sincera consigo própria, porque sentia ciúmes. Sentia ciúmes daquelas mulheres tão magras, tão femininas, como as raparigas com que fora à escola, que vestiam esses vestidos curtos e decotados que ela nunca poderia vestir. E Vittorio sabia. Um segundo antes de ele falar, vira-o nos seus olhos: um brilho de desdém, quase de desprezo.

Ela conhecia esse olhar porque o vira nos olhos de Roberto quando tentara fazer com que a amasse, com que a desejasse. Não fora assim.

E vira-o nos olhos de outros homens. Ela não era o que procuravam numa mulher e Ana habituara-se. Armada com fatos e uma atitude prática e sensata, as melhores armas que uma mulher podia ter, decidiu que não se importava. E, no entanto, o olhar de desdém de Vittorio Cazlevara magoara-a. Tolamente, alegrara-se por o ver, pensando que se lembrava dela…

Porque tentara lisonjeá-la com aquele elogio ridículo? Teria querido mostrar-se cavalheiresco ou estaria a rir-se dela? E porque a procurara?

O conde de Cazlevara poderia ter qualquer mulher e, no entanto, fora logo cumprimentá-la. Sabia porque o vira entrar no castelo e, ao vê-lo, o seu coração acelerara. Mesmo de longe era magnífico. Com o seu metro e noventa, vestia um fato azul-marinho com uma elegância descuidada e olhava à sua volta com os seus olhos, tão negros como o ónix, como se procurasse alguém em particular.

Mas porque havia de a procurar especialmente?, questionou-se Ana.

Nervosa, bebeu um gole de vinho, ironicamente das adegas de Cazlevara. Certamente, estava a rir-se dela, teve de reconhecer com tristeza, divertindo-se com uma mulher que não estava habituada aos elogios. Lidara muitas vezes com homens assim, homens que a tratavam com uma condescendência afectuosa e se mostravam surpreendidos quando os rejeitava. No entanto, Vittorio não se mostrara surpreendido com a sua rejeição, mas furioso.

Anamaria teve de sorrir. Melhor, pensou.

Vittorio era um homem muito rico, o mais rico de Veneto, para além de um aristocrata. As suas adegas, as melhores da região, tinham pertencido aos Cazlevara durante quatrocentos anos. Por comparação, a sua herança familiar de quase trezentos anos não era nada.

O pai de Vittorio morrera quando ele era um adolescente e, assim que se tornara maior de idade, ele saíra de Veneto. Estava ausente há quase quinze anos. Anamaria imaginava que um homem como ele precisaria de mais do que uns vinhedos antigos para se divertir.

Era um homem muito bonito, mas com umas feições duras. As maçãs do rosto altas davam-lhe um aspecto quase feroz, pelo menos, quando olhava para alguém como olhara para ela, com uma expressão de desdém, antes de lhe oferecer um sorriso falso…

Anamaria recordou outra vez, quando a fizera sorrir ao vê-lo.

Fora no funeral da sua mãe, um dia de Novembro frio e chuvoso. Então, tinha treze anos e ainda não crescera por completo. Estava à frente da sepultura da sua mãe, com as mãos sujas depois de atirar um punhado de terra sobre o caixão. A terra caíra com um golpe seco e ela deixara escapar um gemido de dor, a queixa de um animal ferido.

Enquanto os assistentes ao funeral começavam a afastar-se, Vittorio, que devia ter vinte anos então, parara ao seu lado. Desolada com a morte da sua mãe, Anamaria só o vira naquele momento, mas quando levantara o olhar, aqueles olhos de cor de ónix estavam fixos nos dela. Vittorio tocara na sua face com um dedo, tentando parar o caminho de uma lágrima.

– É normal que estejas triste, rondine – dissera-lhe. Andorinha. – É lógico que chores. Mas tu sabes onde está a tua mãe, não sabes?

Ela abanara a cabeça, perturbada e um pouco incomodada porque não queria ouvir que Emily Viale estava agora no Céu. Mas Vittorio pôs uma mão sobre o seu peito.

– Aqui – dissera. – No teu coração.

E fora-se embora depois de sorrir com tristeza.

Vittorio perdera o seu pai há alguns anos, mas mesmo assim surpreendera-a que conseguisse entendê-la tão bem, que um estranho tivesse sido capaz de dizer a frase mais acertada e que mais tarde, enquanto chorava desconsolada na cama, ainda recordasse as suas palavras.

«É lógico que chores.»

Vittorio ajudara-a nesse dia e teria gostado de lhe agradecer. E descobrir se a entendia melhor do que ninguém e se ela o entendia a ele. Uma tolice, já que aquela tinha sido a única conversa que tinham tido.

Durante esses anos quase esquecera as palavras de Vittorio Ralfino em frente da sepultura da sua mãe, mas recordou-as assim que voltou a vê-lo. Todas as suas esperanças infantis tinham renascido ao acreditar que também ele o recordava. Que também significara alguma coisa para Vittorio.

Uma tolice. Era uma romântica, uma sonhadora. Mas os seus sonhos de romance e de amor tinham morrido há anos, depois de uma dose de realidade no internato, quando era um patinho feio entre cisnes.

Anamaria cerrou os dentes, tentando conter a tristeza.

As suas esperanças tinham voltado brevemente durante a época da universidade, o suficiente para se arriscar com Roberto.

Mas fora um erro.

E agora, ao ver que Vittorio fazia uma careta de desdém, a última esperança desaparecia por completo. Brincadeiras ou mentiras, não sabia o que eram, mas não importava.

Ana bebeu outro gole de vinho e virou-se com um sorriso para o produtor, Busato, um homem de sessenta anos com o cabelo branco e um sorriso como o do Pai Natal que sempre a tratara com simpatia e respeito. Tinha de esquecer Vittorio Cazlevara, pensou. Umas palavras trocadas há dezassete anos não tinham a menor importância. E não a surpreenderia que Vittorio nem sequer se lembrasse delas.

 

 

Uma das janelas do primeiro andar da Villa Rosso estava iluminada enquanto subia pelo caminho. O seu pai esperava acordado, como fazia sempre que ia a algum daqueles eventos.

Há alguns anos, teria ido com ela, mas agora mal saía de casa e Anamaria suspeitava que conversar com os outros o cansava. Enrico Viale era, por natureza, um homem sério e taciturno.

– Ana? – chamou-a o seu pai, do escritório.

– Sim, pai?

– Como correu? Foram todos?

– Todos os que deviam ir – respondeu ela, entrando no escritório com um sorriso nos lábios. – Menos tu, claro.

– Ora, não me elogies – o seu pai estava sentado num poltrona à frente da lareira, com um livro sobre os joelhos e os óculos de ler na mão. – Não tens de me dizer essas coisas.

– Eu sei – disse Ana, sentando-se à frente dele e tirando os sapatos. – E não devia fazê-lo, já que eu própria fui objecto de um lisonjeiro esta noite.

– Ah, sim?

Não quisera mencionar Vittorio. Afinal de contas, queria esquecer-se dele. E, no entanto, aparecera na conversa sem que se apercebesse.

– O conde de Cazlevara voltou. Sabias que estava cá?

– Sim – respondeu Enrico Viale, pensativo. – Sabia.

– A sério? – Ana levantou as sobrancelhas, surpreendida. – Não me tinhas dito nada.

O seu pai hesitou e ela teve a impressão de que estava a esconder-lhe alguma coisa. Embora fosse absurdo, pensou. O seu pai e ela tinham uma relação muito estreita. Nem sempre fora assim, mas tinham-se esforçado para o conseguir. E no entanto… Estaria a esconder-lhe alguma coisa?

– Não me pareceu importante.

Ana assentiu com a cabeça. Era lógico que não lhe tivesse parecido importante contar-lhe, já que mal conhecia Vittorio. Aquele momento à frente da sepultura da sua mãe não devia contar para nada.

– Bom, é muito tarde – murmurou, levantando-se da poltrona. – Estou cansada, vou para a cama.

Anamaria subiu a escada de mármore que levava ao segundo andar da villa e, como todas as noites, passou à frente de vários quartos escuros. Na casa havia oito quartos e só usavam dois. Raramente tinham convidados.

O seu encontro com Vittorio incomodara-a mais do que devia. Nem sequer tinham tido uma conversa, só tinham trocado algumas palavras, pensou, zangada consigo própria. E, no entanto, essas palavras repetiam-se na sua cabeça várias vezes.

Não esperara uma reacção assim por parte de um homem em que mal pensara durante todos esses anos, mas assim que entrara no castelo, não conseguira parar de olhar para ele e o seu corpo despertara para a vida como se estivesse a dormir até então.

Ana vestiu o pijama e soltou o cabelo.

Do outro lado da janela, a lua iluminava os vinhedos com a sua luz prateada. Os vinhedos que davam à Villa Rosso o seu nome e a sua fortuna. Rosso por causa da cor das uvas, uma variedade rica e aveludada de que desfrutavam nas melhores mesas de Itália e ultimamente em quase todo o mundo.

Suspirando, deixou-se cair sobre o parapeito da janela, abraçando os joelhos enquanto o vento arrefecia a sua cara. Não se apercebera de que estava tão acalorada… Corara?

E porquê?

Se tivesse uma vida social, aquele encontro com Vittorio não a teria afectado tanto. Mas a realidade era que mal saía e que a afectara. Tinha vinte e nove anos, estava quase a fazer trinta, e a sua única vida social consistia em ir às provas de vinho e às reuniões profissionais, sempre com homens com o dobro da sua idade. Assim nunca conseguiria encontrar um marido.

Estava à procura de um marido?, perguntou-se então. Descartara esse sonho há muitos anos, quando ficara pateticamente claro que os homens não estavam interessados nela. A partir de então, decidira encher a sua vida com amizades, trabalho e família em vez de procurar romances. Esquecera o amor sabendo que não era para ela. E aceitara-o… Até àquela noite.

Mesmo assim desejou que Vittorio não tivesse voltado, que os seus elogios absurdos e falsos não lhe tivessem recordado desejos secretos esquecidos há anos. Passara tanto tempo a ser ignorada como mulher que se tornara invisível para ela própria.

Anamaria apoiou a cabeça na parede, fechando os olhos enquanto o vento brincava com o seu cabelo e mexia as árvores do outro lado da janela.

Queria, apercebeu-se então, que Vittorio Cazlevara não olhasse para ela com desdém ou com brincadeira, mas com desejo. Queria que acreditasse nas coisas que lhe dissera. E mais.

Queria sentir-se como uma mulher desejada por uma vez na sua vida.