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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2016 Kate Hewitt

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Desejo inegável, n.º 1779 - março 2019

Título original: Inherited by Ferranti

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência. ®

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Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1307-653-9

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Epílogo

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

Sierra Rocci ia casar-se no dia seguinte. Admirando o sedoso vestido branco pendurado na porta do guarda-roupa, ela tentou ignorar o frio que sentia na barriga. Estava a tomar a decisão certa. Tinha de estar. Não havia outra escolha.

Com uma das mãos a pressionar o peito trémulo, virou-se para olhar para os jardins escurecidos através da janela da villa do pai na Via Marinai Alliata, em Palermo. A noite de verão ainda estava quente, sem sequer um sopro de brisa a mover as folhas dos plátanos, no jardim. O ar parado tinha o seu quê de expetante, até mesmo de sinistro, e Sierra tentou afastar o nervosismo. Já tinha feito a sua escolha.

Um pouco antes, naquela mesma noite, jantara com os pais e com Marco Ferranti, o homem com quem iria casar-se. A conversa fluíra facilmente e o olhar de Marco percorrera-a como uma carícia, uma promessa. Poderia confiar naquele homem, disse a si mesma. Não tinha outra opção. Em menos de vinte e quatro horas prometeria amá-lo, honrá-lo e obedecer-lhe. Colocaria a sua vida nas mãos de Marco.

Sierra conhecia o elevado preço da obediência e rezava para que ele fosse um homem gentil. Nos três meses em que tinham namorado, Marco revelara-se um homem terno. E paciente, sem nunca a ter censurado ou pressionado. Exceto uma única vez, quando tinham saído para um passeio nos jardins e ele a beijara, à sombra de um plátano, com uns lábios firmes, insistentes e surpreendentemente excitantes.

Sierra sentiu outro calafrio na barriga, mas este não se assemelhava em nada com o anterior. Ela tinha 19 anos e fora beijada apenas algumas vezes pelo noivo. Não possuía nenhuma experiência em relação ao que acontecia entre um homem e uma mulher no quarto, mas, quando Marco pôs fim à deliciosa ousadia à sombra do plátano, garantira-lhe que seria paciente e gentil na noite de núpcias.

E ela acreditara. Decidira confiar naquele homem. Um ato deliberado, um passo em frente para garantir o seu futuro e liberdade. Mas ainda assim… O olhar perdido de Sierra percorreu os jardins sombrios, enquanto o nervosismo rastejava no seu íntimo como uma serpente. Conheceria ela a essência de Marco Ferranti? Quando o avistara pela primeira vez, no pátio do palazzo do pai, reparara quando uma das gatas que rondavam a cozinha roçara o seu corpo esquelético nas pernas de Marco. Ele baixara-se e acariciara a orelha do bicho, que ronronava de prazer. O pai dela teria dado um pontapé no animal e ordenado que as suas crias fossem afogadas. Testemunhar aquele momento de ternura instintiva, sem ele saber que alguém estava a observá-lo, acendeu uma fagulha de esperança no coração de Sierra.

Sabia que o seu casamento contava com a bênção do pai. Não era tão ingénua a ponto de não perceber que ele empurrara Marco na direção dela. Mas Sierra também o encorajara. Fizera uma escolha. Na medida do possível, controlara o seu próprio destino.

Naquela primeira noite, Marco apresentara-se a ela e, mais tarde, convidara-a para jantar. Ele cortejara-a sempre de um modo gentil, até terno. Sierra não o amava. Não tinha interesse algum pelo amor, esse sentimento perigoso e ilusório, mas ansiava por sair da casa do pai, e o casamento com Marco Ferranti seria o seu passaporte… Se, de facto, pudesse confiar nele. A certeza viria no dia seguinte, quando os votos fossem feitos e a porta do quarto se fechasse.

Que Deus me ajude! Sierra mordeu os nós dos dedos quando foi invadida novamente pelo pânico. Seria capaz de ir até ao fim com aquele plano? Como não ir? Recuar agora significaria ser o alvo da eterna fúria do pai. Estava a casar-se para conseguir liberdade, mas não era livre para desistir. Talvez nunca viesse a ser realmente livre. Mas que outra escolha havia para uma rapariga de 19 anos, impedida de desfrutar de uma vida social? Protegida e encurralada?

No andar de baixo, reverberava o murmúrio da voz do pai. Embora não conseguisse discernir as palavras, bastava aquele som para que Sierra sentisse arrepios na nuca. Em seguida, ouviu Marco responder. O tom era baixo como o do pai, embora terno. Gostara da voz do noivo desde a primeira vez em que a ouvira. Também lhe agradava o sorriso que costumava curvar um dos cantos daqueles lábios firmes, antes de iluminar-lhe o rosto. O instinto levara-a a confiar nele, embora Marco trabalhasse para o seu pai. Apesar de ele ser um homem tão charmoso quanto poderoso, tal como o seu pai, convencera-se de que o noivo era diferente. Mas… e se estivesse enganada?

Antes que pudesse perder a coragem, Sierra deixou o quarto e foi até ao meio da escada, parando no patamar, fora do alcance dos olhares dos homens na sala de baixo, apurando os ouvidos para ouvi-los.

– Fico feliz por receber-te na minha família como um verdadeiro filho – dizia o pai, com todo o seu charme e autoritarismo.

– E eu fico honrado por ser tão bem acolhido.

Sierra ouviu o som das palmadinhas que o pai dava nas costas de Marco e da gargalhada abafada que ele deixava escapar. Ela sabia bem o quanto era artificial aquele som.

Bene, Marco. Desde que saibas como deves lidar com a Sierra. As mulheres precisam da mão forte do marido a guiá-las. Não sejas demasiado gentil ou elas começam a alimentar ideias extravagantes. – Aquelas palavras abomináveis eram-lhe familiares. O tom suave, quase divertido. O pai soava seguro de si mesmo e no controlo total, como sempre.

Todos os músculos do corpo de Sierra pareceram ficar de pedra enquanto aguardava a resposta do futuro marido.

– Não se preocupe, signore – disse ele. – Eu sei como lidar com a sua filha.

Sierra atirou-se para trás, contra a parede, com o medo e o horror a consumi-la por dentro. Eu sei como lidar com a sua filha. Será que, de facto, Marco pensava como o seu pai? Que ela era um animal que precisava de ser guiado e adestrado para ser subserviente?

– Claro que sim – disse Arturo Rocci, com uma voz arrogante de satisfação. – Eu preparei-te e escolhi-te como filho. Essa é a minha vontade e eu não poderia estar mais satisfeito. Não tenho dúvidas quanto a ti.

– Honra-me com as suas palavras, signore.

Papà, Marco. Podes chamar-me papà.

Sierra espiou mais para baixo e viu os dois homens abraçados. Em seguida, o pai deu mais uma palmadinha nas costas de Marco, antes de afastar-se na direção do escritório.

O esboço de um sorriso curvou os lábios firmes do noivo, o queixo escurecido pela insinuação da barba de um dia. Os olhos cinza-prateados velados e sonolentos. Ele afrouxara a gravata e retirara o blazer. Parecia amarfanhado, cansado e incrivelmente masculino. Sensual.

Mas não havia nada de sensual no que Marco acabara de dizer. Nada de amoroso, romântico ou atraente num homem que considerava as mulheres seres que precisavam de ser guiados. Ela foi invadida por uma onda de temor trespassada pela raiva. Raiva de Marco Ferranti por ele pensar como o pai e de si mesma por ser ingénua ao ponto de pensar que conhecia um homem após três meses de namoro; após alguns encontros arranjados em que Marco a guiara com toda a gentileza rumo ao inevitável desfecho. Ela pensara tê-lo escolhido, mas agora perguntava-se o quanto tinha sido manipulada. Talvez o noivo fosse tão falso quanto o pai, ocultando a verdadeira natureza sob uma fachada que lhe agradasse. Teria um dia percebido aquela farsa? Sim, quando fosse tarde demais. Quando estivesse casada com ele e não pudesse escapar.

– Sierra? – Os olhos prateados tinham-se erguido, surpreendendo-a a espiar. Uma das sobrancelhas espessas ergueram-se e um sorriso alargou-se nos lábios sensuais de Marco, formando uma covinha no rosto de traços marcantes. Quando Sierra reparara na covinha pela primeira vez, achara que o fazia parecer mais amigável e terno. Fora a coisa que mais lhe agradara em Marco. Agora, sentia-se como uma criança ingénua ao ponto da idiotice, que pensara estar a controlar o seu próprio destino, quando não passava de uma marioneta. – O que estás aí a fazer escondida? – perguntou ele, estendendo-lhe a mão.

– Eu… – Sierra humedeceu os lábios secos, enquanto a mente trabalhava freneticamente à procura de uma resposta que não lhe ocorreu. A única coisa que conseguia ouvir eram as palavras tranquilizadoras e indulgentes que ele dissera ao pai dela. Eu sei como lidar com a sua filha.

Marco olhou para o relógio de pulso.

– Já passa da meia-noite, portando eu não a deveria estar a ver-te. Afinal, é o dia do nosso casamento. – Dia do nosso casamento. Em poucas horas, estaria casada com aquele homem. Prometeria amá-lo, honrá-lo e obedecer-lhe. Eu sei como lidar com a sua filha. – Sierra? – chamou ele, sem conseguir disfarçar um tom de preocupação na voz. – Há algo de errado? – Estava tudo errado. Desde sempre. E ela pensara estar a corrigir tudo, conseguindo, por fim, escapar. Acreditara estar a escolher o seu próprio destino. Agora, esse pensamento dava-lhe vontade de rir. Como fora capaz de enganar-se por tanto tempo? – Sierra? – Desta vez, a voz grave refletia um tom de impaciência, o que a fez prestar atenção à rapidez com que a fachada de preocupação se dissipara, revelando o homem que se encontrava por baixo. Da mesma forma como o pai fazia.

– Estou apenas cansada – sussurrou ela.

Marco gesticulou para que se aproximasse e ela obedeceu, com as pernas vacilantes, até se posicionar à frente dele, tentando não mostrar medo. Aquele era um pequeno ato de rebeldia que Sierra cultivara durante toda a vida, porque sabia que enfurecia o pai. Arturo Rocci queria que as mulheres de sua vida se acobardassem e o temessem. E fora o que Sierra fizera ao longo dos anos. Mas, quando conseguia ganhar coragem para mostrar-se fria e controlada, estampava aquela expressão no rosto. Agasalhar-se sob o manto do entorpecimento fora a forma que encontrara para lidar com o pai desde pequena. E, neste momento, estava agradecida por possuir aquela capacidade.

Marco tocou-lhe o rosto com uma mão. A palma quente, até mesmo naquele momento, conseguia fazê-la sentir uma excitação que lhe deixava as pernas a tremer.

– Falta pouco agora – murmurou ele. O polegar roçou-lhe os lábios. A expressão era terna, embora Sierra já não pudesse confiar naquela suavidade. – Estás nervosa, pequenina? – Sierra estava aterrorizada. Sem palavras, ela limitou-se a negar com a cabeça. Marco deixou escapar uma gargalhada abafada que soou indulgente. As suposições que fizera sobre aquele homem estavam a provar ser, de facto, apenas suposições. Não sabia quem ele era ou do que era capaz. Sim, Marco fora gentil com ela, mas… e se tudo não tivesse passado de fingimento, como a postura do pai em público? – Um sorriso curvou os lábios sensuais do noivo, criando uma covinha. – Tens a certeza, mi amore?

Mi amore. Meu amor. Mas Marco Ferranti não a amava. Ou, pelo menos, nunca lhe dissera aquelas palavras, e ela não desejava ouvi-las. Relembrando o passado, Sierra conseguia perceber o quanto aquela relação fora conveniente. Um jantar em família que levara a um passeio no jardim, que conduzira a um namoro decoroso, que suscitara um pedido de casamento. Um procedimento metódico, orquestrado por aquele homem e pelo seu pai. E ela não se tinha dado conta. Julgara ter tido alguma participação no desenrolar dos acontecimentos, mas agora perguntava-se o quanto fora manipulada. Usada.

– Eu estou bem. – A voz de Sierra saiu num sussurro ofegante e teve de recorrer a todas as suas forças para afastar-se dele. Marco franziu a testa, talvez contrariado pelo facto de ela ter tomado até mesmo aquela insignificante iniciativa. Permitira que ele comandasse tudo durante os três meses de namoro, percebeu Sierra. Como, por exemplo, para onde iam e quando, o que conversavam… Tudo fora decidido por Marco. Estava tão desesperada para livrar-se do pai que se convencera de que ele era um bom homem.

– Um último beijo – murmurou Marco e, antes que ela pudesse pensar em afastar-se mais, encontrava-se colada ao corpo forte, as mãos longas a emoldurar-lhe o rosto e os lábios firmes pressionados contra os dela. Quentes e frios. Ásperos e macios. Uma miríade de sensações apossou-se de Sierra enquanto ela entreabria a boca, impotente. Melancolia e prazer. Medo e desejo. Todas as emoções intercaladas numa teia indissolúvel. Ela fechou as mãos contra o tecido da camisa de Marco e ergueu-se em bicos de pés para que os corpos de ambos se colassem ainda mais. Não percebeu o quanto as suas ações eram reveladoras até ouvir a gargalhada abafada de Marco, que a afastava com delicadeza.

– Teremos muito tempo para isto mais tarde – prometeu ele. – Amanhã à noite. – Quando já estariam casados. Ela pressionou os lábios com os dedos e Marco exibiu um sorriso, satisfeito com a forma como fora correspondido. – Boa noite – disse ele num tom suave.

– Boa noite – conseguiu Sierra balbuciar, virando-se e seguindo escada acima, sem ousar olhar para trás, embora soubesse que o noivo a observava.

Na escuridão silenciosa do corredor, no andar de cima, ela pressionou com uma das mãos o coração acelerado. Detestava-se a si mesma e odiava Marco, porque ambos eram culpados. Nunca deveria ter permitido que aquilo acontecesse. Nunca deveria ter pensado que conseguiria escapar.

Sierra cruzou o corredor, correndo na direção de uma ala no outro extremo da casa, e bateu levemente à porta do quarto da mãe.

Violet Rocci apenas entreabriu a porta, com os olhos arregalados de preocupação. Mas relaxou logo em seguida quando viu a filha e escancarou a porta para que ela entrasse.

– Não deverias vir aqui.

– O papà está lá em baixo.

– Ainda assim. – Violet juntou as lapelas do roupão de seda, com o rosto pálido de tensão. Vinte anos atrás, era uma bela jovem. Uma pianista de qualidade internacional que se apresentava nas melhores salas de concerto de Londres e despontava para a fama. Até casar-se com Arturo Rocci e desaparecer por completo, perdendo-se no processo.

Mamma… – começou ela, sentindo-se impotente. – Acho que cometi um erro.

Violet respirou fundo.

– Marco? – Sierra assentiu. – Mas tu ama-lo… – Mesmo após vinte anos a viver submissa e temerosa sob o punho de aço de Arturo, a mãe ainda acreditava naquele sentimento. Amara o marido até ao desespero e isso fora a sua desdita.

– Eu nunca o amei.

– O quê? – Violet negou com a cabeça. – Mas, minha filha, tu disseste…

– Eu acreditei nele. Pensei que o Marco fosse gentil. Mas só queria casar-me com ele para escapar… – Mesmo agora, Sierra sentia-se incapaz de completar a frase. Escapar do papà. Sabia que aquelas apalavras ofenderiam a mãe. Violet procurava esquivar-se à verdade o máximo possível.

– E agora? – perguntou a mãe em voz baixa, após um instante de silêncio.

– E agora não sei o que fazer. – Sierra caminhou de um lado para o outro do quarto. A ansiedade que sentia era como uma mola cada vez mais contraída. – Percebi que não conheço aquele homem.

– O casamento é amanhã. – Violet afastou-se, as mãos trémulas a segurarem as lapelas do roupão. – O que podes fazer? Está tudo preparado…

– Eu sei. – Sierra fechou os olhos, sentindo uma onda gigantesca de arrependimento. – Acho que fui uma idiota. – Abriu os olhos e pestanejou para afastar as lágrimas inúteis antes de levantar o queixo. – Sei que não há nada a fazer. Tenho de casar-me com Marco.

A impotência era um sentimento familiar. Um manto de ferro que a oprimia há muito tempo. Mas, desta vez, fora ela a armar a sua própria armadilha. Por fim, não sobrara ninguém a quem culpar a não ser a ela própria. Ela concordara com a proposta de casamento de Marco.

Quando olhou para a mãe, percebeu, para sua surpresa, que o rosto de Violet estava pálido mas os olhos brilhavam com uma determinação incomum.

Mamma

– Se tens a certeza de que não queres casar-te…

– Certeza? – Sierra fez um movimento negativo de cabeça. – Não tenho a certeza de nada. Talvez o Marco seja um bom homem… – Um homem que estava a casar-se com ela para o bem da Rocci Enterprises? Que trabalhava em perfeita sintonia com o seu pai e que afirmava saber lidar com ela?

– Mas… – Violet começou. – Tu não o amas.

Sierra recordou o sorriso gentil de Marco, a sensação dos lábios firmes nos dela. Em seguida, lembrou-se do amor desesperado de Violet pelo marido, apesar da forma cruel e agressiva com que ele a tratava. Não amava Marco Ferranti. Não queria amar ninguém.

– Não, eu não o amo.

– Então, não deves casar-te com ele. Só Deus sabe o quanto uma mulher consegue suportar em nome do amor, mas sem esse sentimento… – A mãe cerrou os lábios numa linha fina enquanto negava com a cabeça. Milhares de perguntas giravam na mente de Sierra e ameaçavam escapar-se-lhe da garganta. Como é que a mãe era capaz de amar o marido depois de tudo o que ele fizera? Depois de tudo o que as duas tinham suportado? Mas, ainda assim, Sierra tinha plena consciência do amor da mãe por Arturo.

– O que posso fazer, mamma?

Violet deixou escapar um suspiro ruidoso.

– Foge. Nunca sugeri isso antes porque pensei que o amasses. Quero apenas a tua felicidade, querida. Espero que acredites nisso.

– Eu acredito. – A mãe era uma mulher fraca, desgastada pelo sofrimento e pela submissão a Arturo Rocci, mas Sierra nunca duvidara do seu amor por ela.

Violet pressionou os lábios e assentiu.

– Então, deves partir. Esta noite.

Esta noite…?

– Sim. – A mãe dirigiu-se à cómoda e abriu uma gaveta. Em seguida, tirou um envelope escondido sob uma pilha de lingerie. – É tudo o que possuo. Tenho poupado ao longo dos anos para o caso de…

– Mas como? – Sierra agarrou o envelope que a mãe lhe estendia num gesto automático e descobriu que estava cheio de euros.

– Todas as semanas, o teu pai dá-me dinheiro para as despesas da casa – explicou Violet, o rosto delicado a corar e a fazer Sierra sentir uma pontada de compaixão. Sabia que a mãe se envergonhava de ser tão submissa ao marido. – Quase nunca o gasto e, ao longo dos anos, fui poupando. Não é muito… Talvez mil euros, no máximo. Mas é o suficiente para tirar-te daqui.

O medo e a esperança misturaram-se dentro de Sierra em proporções iguais.

– Mas para onde iria eu? – Nunca tinha considerado tal possibilidade. Uma fuga. Livre, desimpedida e realmente independente. A perspetiva era inebriante e, ao mesmo tempo, aterrorizadora. Passara a infância numa villa, no campo, e a adolescência, numa escola de freiras. Não tinha experiência para enfrentar o mundo.

– Vai de barco para o continente e depois apanha um comboio para Roma. Daí, parte para Inglaterra.

– Inglaterra… – A terra natal da mãe.

– Tenho uma amiga chamada Mary Bertram – sussurrou Violet. – Não tenho contato com ela há anos, desde que… – Desde que se casara com Arturo Rocci, vinte anos atrás. Sem nada dizer, Sierra assentiu. – Ela não confiava nele e disse-me que, se algo me acontecesse, as portas da sua casa estariam sempre abertas.

– Sabes onde ela mora?

– Tenho a morada do lugar onde ela vivia há vinte anos. Acho que é o melhor que consigo.

Sierra sentia-se a tremer por dentro perante a grandiosidade do que estava prestes a fazer. Ela, que nunca se aventurara nem até Palermo sozinha. Que nunca lidara com dinheiro, que nunca sequer tinha apanhado um táxi. Como poderia enfrentar uma fuga?

E como não aproveitar a oportunidade? Aquela era a sua única oportunidade. No dia seguinte, iria casar-se com Marco Ferranti e, se ele fosse como o seu pai, não teria como escapar.

– Se eu partir… – sussurrou Sierra, com a voz embargada. Não conseguiria completar a frase, mas não era necessário.

– Nunca mais poderás voltar – completou Violet. – O teu pai seria capaz… – A mãe engoliu em seco com um movimento negativo de cabeça. – Será um adeus.

– Vem comigo, mamma

A expressão de Violet endureceu.

– Não posso.

– Porque o amas? – A dor invadi-a como um punhado de cacos de vidro, aguda e penetrante. – Como podes amá-lo, depois de tudo…?

– Não questiones as minhas escolhas – interrompeu-a a mãe, com o rosto pálido e os lábios comprimidos. – Faz as tuas.

Fazer as suas próprias escolhas. A liberdade, afinal. Irresistível e apavorante ao mesmo tempo. Era mais do que ela alguma vez tivera e nem sabia por onde começar. Em vez de acorrentar-se a um homem, mesmo que ele tivesse caráter, seria dona da sua vida. Livre para fazer escolhas e viver.

Esta perceção encheu-a de medo e entonteceu-a de esperança. Sierra fechou os olhos.

– Não sei, mamma

– Não posso decidir por ti. – A mãe tocou-lhe o rosto com as pontas dos dedos. – Só tu podes decidir o teu destino. Mas um casamento sem amor… – A mãe engoliu em seco. – Não desejo isso a ninguém…

Nem todos os homens são como Arturo Rocci. Nem todos são cruéis, controladores e rudes. Sierra engoliu aquelas palavras em seco. Marco Ferranti podia não ser como o pai, mas talvez fosse. Depois do que ouvira e descobrira naquela noite, sabia que não poderia correr o risco.

As mãos de Sierra fecharam-se sobre o envelope com dinheiro. Violet assentiu, percebendo a decisão patente no rosto da filha.

– Que Deus te acompanhe. – Sierra envolveu a mãe num abraço apertado, as lágrimas a arderem-lhe nos olhos. – Agora, apressa-te – disse Violet.

Sierra voltou para o seu quarto e deparou-se com o vestido de noiva pendurado no guarda-roupa como se fosse um fantasma.

Sierra vestiu-se rapidamente, agarrou um saco e, com as mãos a tremer, encheu-o com roupa.

A casa estava completamente silenciosa. O ar parado da noite não transportava nenhum som. Sierra olhou para a caixa do violino em cima da cama e hesitou. Seria difícil levar o violino, mas ainda assim…

A música tinha sido o único consolo durante a maior parte da sua vida. Deixá-lo para trás seria como abandonar um pedaço da sua alma. Sierra agarrou a caixa e atirou-a para o saco, pondo-o ao ombro. Em seguida, desceu a escada pé ante pé, prendendo a respiração. O coração batia-lhe tão forte que lhe fazia doer o peito. A porta da frente já estava trancada, mas ela deslizou o ferrolho para abri-la com um ruído impercetível. Ouviu o pai a mover-se na cadeira e a mexer em papéis no escritório. Por um momento horripilante, o coração de Sierra pareceu parar.

Passados alguns instantes, soltou o ar que estava a prender e abriu a porta tão devagar que cada segundo parecia demorar uma eternidade. Após transpô-la, fechou-a com o mesmo cuidado, antes de fitar a rua escura e deserta. Dirigiu um último olhar à casa com as suas janelas iluminadas, antes de desaparecer na noite.